Sofremos de uma certa síndrome da perfeição. Tal síndrome é responsável por nos levar a criar mil e uma justificativas para os nossos defeitos. Uma vez ou outra somos apanhados de surpresa com inúmeras justificações por que não se fez isso, não se fez aquilo, enfim... Racionalizamos demais a vida! Não temos vergonha de afirmar: “Sou perfeccionista, gosto das coisas certas”. Mentira! Ninguém é perfeccionista! Porém, quem se importa neste mundo com as suas pretensões perfeccionistas? Não seria a vida tão mais interessante do que a nossa teimosia pela perfeição? A vida tem as suas próprias dobras e “dobradiças” de contradição. Poucas vezes reconhecemos isso e criamos as nossas manias de perfeição.
Influenciados pela maneira de ver o mundo de um ângulo judaico-cristão, tendemos a exigir muito mais das pessoas do que elas podem dar. É uma tolice, porque nos esquecemos de que elas são limitadas. As pessoas nunca serão o que queremos que elas sejam. Elas são o que são e pronto. Cada um tem necessidades, valores e circunstâncias muito próprias que nos impedem de julgá-las, até porque essa não é a nossa função. Não sejamos reféns das nossas pretensões de perfeição, mas da vida com toda a sua beleza! Se a vida é doença, que seja bela mesmo assim. Se a vida é um fracasso que seja boa assim mesmo. Se a vida é dor, aprendamos mais com ela. Se a vida é pobreza, mesmo assim agradeçamos para espantar a ingratidão de muitos que sobejam da mesa dos ricos.
Queremos ser melhores custe o que custar. Da síndrome da perfeição migramos para a síndrome da evolução. Queremos sempre melhorar, melhorar, melhorar e melhorar ansiosamente. Se pensarmos bem, na linha da vontade infinita que há em nós ocorre, decerto, uma tola ambição de lutar incansavelmente para, depois, nos depararmos com um dado inevitável que não nos escapa, a imperfeição.
A sede de perfeição parece anestesiar-nos do peso da realidade. Talvez por isso a busquemos demasiadamente. Mas, é um facto: Somos imperfeitos. Erramos e cometemos equívocos. Somos programados para não errar, mas erramos. Estamos vivos e cheios de vontade. Nesse norte de reflexão, permitam-me usar aqui as palavras de Dostoiévski, o qual traz a filigrana da vida de modo impressionante na sua obra “Notas do subsolo”:
“Pois é, senhores... Justamente neste ponto é que eu me enrasquei! Perdoem-me por ter filosofado desta maneira, mas foram quarenta anos de subsolo! Permitam-me fantasiar um pouco. Vejam os senhores: a razão é uma coisa boa, sem dúvida, mas a razão é apenas razão e satisfaz apenas a capacidade racional do homem; já a vontade, essa é a manifestação da vida como um todo, ou melhor, de toda a vida humana, aí incluindo-se a razão e todas as formas de coçar. E, mesmo que a nossa vida pareça às vezes bem ruinzinha(...), ela é vida, apesar de tudo, e não apenas a extração de uma raiz quadrada. Eu, por exemplo, naturalmente quero viver para satisfazer apenas a minha capacidade racional, ou seja, talvez a vigésima parte de toda a minha capacidade de viver. Que sabe a razão?” (DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Notas do subsolo. Porto Alegre, RS: L&PM, 2009. p. 38-39)
Tamanha obsessão pela perfeição pode levar-nos a caminhos de sujeição ao ritmo frenético da sociedade que temos hoje. Uma sociedade exigente e competitiva, descontrolada e racionalista está a criar, também, pessoas descontroladas e racionalistas sem olhar aos acontecimentos simples e importantes da vida. Estamos a ser, com isto, programados para atingir metas, objetivos... Esquecemos, ou não estamos nem aí para o que realmente importa, (se bem que sabemos o que de facto importa) e quando menos esperamos, estamos a ser levados pela ventania alucinada de uma vida sem sentido.
Parece até que somos um tema de um projeto programado para se realizar. Estamos a ser tratados, diga-se de passagem, como peças de controlo de uma sociedade que responde a estímulos de consumo, de mercado, de posse, de riqueza, de ambição, de avareza, de corrupção... Toda esta avalanche invade a vida de qualquer um, quebrando valores antes vistos como intocáveis e insubstituíveis. Todavia, por não sermos suficientes é que se abre aqui uma porta para admitirmos um olhar mais sensível, flexível, tolerante e amável para os que não conseguem ser menos imperfeitos.
Portanto, seria imprescindível passarmos pela Escola da vida e aprendermos algumas lições, a saber: bondade, tolerância, responsabilidade, respeito, justiça, honestidade, liberdade... De modo que esta não seria mais uma alternativa de controlo ideológico de fora para dentro, nem de cima para baixo, até porque ninguém muda ninguém, ninguém constrói ninguém. As pessoas mudam-se e constroem-se a si próprias, livres e distintamente. Por isso, não pensem que estou certo, pois não quero estar certo, apenas quero que vejam a possibilidade que há em mim de expressar livremente o que penso.
Prof. Jackislandy Meira de Medeiros Silva
Já consigo viver pacificamente com os meus defeitos!
ResponderEliminarFélix da Costa
ResponderEliminarAinda bem que fiz bem a alguém. Já podes dormir em paz (salvo seja!)...