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domingo, 11 de setembro de 2011

Memórias construídas e esquecidas… só no Porto?

Um dos slogans mais recorrentes, e mais cínicos, com que o nosso poder político costuma encobrir a sua histórica ineficácia, manifestada em termos de administração cultural, formula-se assim, "Somos demasiado pobres para a riqueza que temos!" Solta-se este desabafo com um nó na garganta, a significar o magoado patriotismo, e cruzam-se os braços na expectativa do próximo decréscimo da dotação orçamental. Geralmente debitada pelos governantes afetos ao património dos monumentos, a engenhosa frase acusa uma imagem conservadora daquilo a que se chama "cultura", e uma certa resistência à dinamização que conduz a horizontes mais respiráveis.
A desculpa esfarrapa-se porém em dois tempos, e deixa ao léu uma situação atávica que, essa sim, constitui sinal de verdadeira indigência, ao denunciar um vazio crónico de ideias e imaginações. E se se analisar o contexto a uma simples lupa de plástico, de qualidade não superior à das que se compram nas lojas chinesas, logo nos salta à vista uma procissão de cromos impagáveis que, catapultados pelos acasos partidários, ocuparam lugares em que se impunha o desenho de uma cultura prosseguida com meridiana vitalidade. À exceção da gigantesca figura de David Mourão-Ferreira, realmente europeia e culta, e de duas ou três pessoas mais, não tão fora de série, mas relativamente animosas, o que a memória retém é o burocrata que ignorava quem fosse Mário Cesariny de Vasconcelos, ou o majarico que propugnava a fome como excelente motor da criatividade.
A mostra remanescente de tudo isto, ou seja, de uma envergonhada prosperidade, demonstrar-se-á sem dúvida com o tesouro imobiliário nas garras do Estado, e que subsiste num raio de cinco quilómetros, a contar da residência do autor destas linhas. A Casa de Ramalde, arquitetada por Nasoni, e sede já do "desativado", mas ainda existente, Museu Nacional de Literatura, acha-se deserta de gentes, e desprovida de objetivos. O denominado "Palacete do Visconde de Vilar de Allen", outrora morada da Delegação Norte do Ministério da Cultura, transferida para Vila Real por conjunturais razões eleitoralistas, encontra-se vazio, e a degradar-se, pese embora a implantação na sua área de um excelente auditório, assinado por Eduardo Souto de Moura. Quanto ao Museu de Etnologia do Porto, utilizando o Palácio de São João Novo, e encerrado há décadas, alberga ele em caixotes uma invulgar coleção, presume-se que sujeita à usura, que ninguém consegue descortinar.
Esperará algum cidadão inocente que a Câmara Municipal do Porto, incapaz de conceber cultura para além das corridas de popós, nostálgica fixação de um infante habilidoso na aritmética, se intrometa nestas matérias? Desengane-se quem porventura julgar que uma autarquia com riquíssimo passado deva abster-se de identificar as Humanidades com a gestão sucateira.
E neste momento, quando não se ouve a menor das referências ao trabalho que se propõe empreender a re-rebaptizada Secretaria de Estado da Cultura, valerá a pena perguntar com razoável legitimidade, "Que país seremos afinal, demasiado pobre de espírito para a riqueza da alma que cada vez menos nos habita?"
d’A AGENDA de Mário Cláudio

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