A razão confere ao ser humano a capacidade de escolha frente às possibilidades que a vida lhe oferece. Porquanto o homem pode optar, ao contrário de se submeter, se assim lhe interessar.
Por tal condição, avançou aos estágios tecnológicos tão apreciáveis atualmente, além de estimular a sua continuidade em direção ao que a imaginação e a realização permitirem no futuro.
Armando Correa de Siqueira Neto
Do ponto de vista da preservação da espécie e do aperfeiçoamento, os fins estabelecidos inspiraram-no na jornada evolutiva. E, para atingir cada fim pretendido, procurou-se a criação dos respetivos meios. Mas ocorreu uma séria incompreensão, levando-o a trocar o fim pelo meio. Mais: a troca revestiu-se de verdade inquestionável e absoluta. Diz-se, sem pestanejar: “É assim mesmo!” Medo de eventual revisão?
Com o desenvolvimento da sociedade, novos interesses ganharam espaço na vida comum, incluindo-se, notoriamente, a posição social que tantos aspiram atingir. A partir dessa perspetiva, os meios que deveriam servir para se alcançar a sobrevivência, mesclaram-se com o status quo, e, em vários casos, resultou em exagero. Por exemplo, a moradia (meio) para a proteção (fim) pessoal e familiar, tornou-se a finalidade em si mesma, haja em vista muitas pessoas a predisporem-se mais a conquistá-la para a satisfação das aparências sociais do que propriamente para a sua segurança – ainda que não se perceba -, pois as dimensões arquitetónicas e os padrões de luxo servem, consideravelmente, de modo estatisticamente comprovado, para atrair o perigo do roubo e, nos casos extremos, da morte.
Entretanto, o autoengano faz o seu autor alegar que só quer maior conforto e segurança, e que, infelizmente, alguns assim não o permitem. Porém, equivale a dizer que há efeito sem causa. Reação sem ação. É prudente lembrar que quem pretende chamar a atenção da sociedade para a sua abundância, atrai não apenas aquele do seu interesse, mas outros cujo objetivo é perigosamente distinto... Ainda: verifica-se que mesmo que a troca do fim pelo meio salte aos olhos, a cegueira causada pela autoilusão impede de se observar criticamente tal equívoco, e faz ainda concluir-se, de forma imperativa, que morar modestamente é pouco, e que a riqueza simboliza inteligência superior. Será mesmo?
Portanto, ao contrário de tentar reduzir as hipóteses de sofrer os perigos através da ponderação e da modéstia, age-se contrariamente à lógica da segurança, erguendo enorme chamariz através da irrefletida necessidade da opulência. Não se aprecia sequer que houve uma alteração do fim pelo meio, e que a simples sobrevivência foi engolida pela complexa dimensão da aparência e da satisfação acerca da localização na pirâmide social. Não é arriscado demais?
É claro que há lugares ao redor do mundo onde a segurança se mostra melhor instalada. Não obstante, inexiste a garantia de que se perpetue tal proteção, pois o descuido é filho da acomodação, e somos sempre tentados a tal relaxamento. E mesmo nos casos em que aparentemente a segurança se encontra em alta, a realidade impõe-se inexorável. Logo, emerge uma pergunta: Nas atuais condições sociais, não se anda na contramão do bom senso ao mostrar grandeza (e gastar com ela) e se expor tão abertamente?
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