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sábado, 9 de agosto de 2014

É tudo gente séria, mas a “solidariedade” é um valor da classe…

Na quinta-feira, 31 de julho, o Governo aprovou a alteração à lei do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, que permitiu que apenas os depósitos dos acionistas com mais de 2% do capital do BES passassem para o BES-mau.
Mas o comunicado do Conselho de Ministros que se realizou nesse dia não fez qualquer menção à alteração. E não houve qualquer comunicação ou contacto com a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), o "polícia" da Bolsa. Ou seja, durante 28 horas, as ações do BES estiveram a ser negociadas na Bolsa, quando já deviam ter sido suspensas. Só a 4 de agosto, já depois do anúncio da solução para o BES, é que a CMVM foi informada sobre o conteúdo da lei. Por outro lado, durante esta fase, o Banco de Portugal não informou a CMVM de que o BES fora suspenso do eurosistema, um fator que influenciaria negativamente o preço das ações.
A CMVM garantiu que desconhecia a decisão sobre o BES e que só suspendeu as ações na sexta-feira passada quando soube que estavam iminentes novos acontecimentos no banco e que abriu uma investigação para apurar se houve fugas de informação ou violação de defesa do mercado.
Podem ser dezenas as pessoas ouvidas pela CMVM para apurar se houve abuso de informação privilegiada e manipulação de mercado no processo BES. Entre os responsáveis a ser ouvidos podem estar ministros, secretários de Estado, juristas e outros técnicos envolvidos na preparação do Decreto-Lei n.oº114-A/2014, aprovado no Conselho de Ministros de quinta-feira, 31 de julho, que pavimentou a intervenção no Banco Espírito Santo.
André Macedo
A dimensão da investigação ainda está por apurar, visto que a CMVM desconhece quantas pessoas no governo e na sua órbita souberam que, entre quinta-feira (31 de julho) e as 15h50 de sexta-feira (1 de agosto) - altura em que as transações do banco foram suspensas -, o Banco de Portugal se preparava para usar a bomba atómica no BES; ou seja, que o governador Carlos Costa, usando poderes reforçados e inéditos acabados de aprovar, se preparava, durante o fim-de-semana, para desviar todos os acionistas do banco, os obrigacionistas subordinados e os ativos tóxicos para um banco-mau, salvando assim a parte boa e poupando os contribuintes, mas arrasando tudo o resto.
Para a CMVM a questão é a seguinte: as ações do BES poderiam ter sido suspensas logo na quinta-feira para evitar que qualquer fuga de informação pudesse chegar ao mercado. Se alguém soube que o BES podia ser partido e que todos os acionistas poderiam ser penalizados, e se usou essa informação para benefício próprio ou de terceiros, isso configura crime de mercado. Neste sentido, a prudência poderia ter aconselhado o governo a comunicar à CMVM, logo na quinta-feira, que se preparava para tomar uma decisão, que embora não especificamente dirigida ao BES - as leis são gerais e abstratas - aplicar-se-ia ao banco e, de certa forma, era feita à medida dele.
Mas não foi o que aconteceu. O decreto-lei foi aprovado pelo Conselho de Ministros de quinta-feira de manhã e, ainda no mesmo dia, foi promulgado pelo Presidente da República. Tudo isto aconteceu com as ações do BES a serem transacionadas normalmente no mercado, embora a certa altura a cair a pique (bateram nos 10 cêntimos) e com volumes anormais: nos últimos 42 minutos de negociações, na sexta-feira, mudaram de mãos mais de 80.000.000 de títulos, o dobro da média diária.
Terá havido fuga de informação e crime de mercado ou o governo conseguiu, ainda assim, manter a informação secreta e restrita a um número mínimo e controlado de pessoas? A CMVM vai querer saber quantas pessoas e quem em concreto entrou (e quando) em contacto com a nova legislação que transpôs para o quadro jurídico português a diretiva do Conselho Europeu de 14 de maio deste ano. Esta é única maneira para tentar perceber qual o risco de propagação indevida de um dos factos relevantes mais sensíveis de sempre em Portugal.
O Dinheiro Vivo procurou obter junto do governo a lista de ministros e secretários de Estado que estiveram presentes no Conselho de Ministros de quinta-feira, mas até ao fecho desta edição não foi possível, sendo que os ministérios estiveram todos representados pelo respetivo ministro ou por um dos seus secretários de Estado. Isto é: 13 ministérios, mais o vice-primeiro-ministro Paulo Portas (Passos Coelho estava de férias).
Aliás, esta legislação, que voltará a ser retocada mais para a frente para corrigir o que, entretanto, se descobriu estar mal, mas também para transpor o que falta da diretiva europeia, já tinha passado pela reunião de secretários de Estado que antecede sempre - porque prepara - as reuniões de Conselho de Ministros. Segundo fonte do governo, esta legislação já vinha a ser preparada de trás, mas na última semana teve de ser acelerada. A CMVM vai, portanto, ter de reconstituir todo este percurso, já que assim as dúvidas afetam não apenas o período sensível entre a última quinta e sexta-feira, mas também a fase anterior.
Quanto ao governo, a decisão de não ter informado a CMVM (foi o Banco de Portugal que o fez, sem detalhes, apenas a meio da tarde de sexta-feira, através de um telefonema de Carlos Costa para Carlos Tavares, presidente da CMVM), encontra uma possível explicação, embora ninguém a assuma: embora correndo o risco de haver insider trading, esse perigo pode ter sido considerado, pelo Executivo, menos destruidor do que uma corrida aos depósitos que poderia ter ocorrido se, na quinta-feira, dia seguinte à apresentação dos resultados do BES (prejuízo de 3.600 milhões), o mercado fosse surpreendido com a suspensão das ações.
Ou seja, entre defender os acionistas e evitar o contágio sistémico, a opção foi pela segunda. Será que foi assim? O tema é de gestão politicamente sensível e a CMVM não quer levantar suspeitas, mas o assunto não ficará por aqui.

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