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segunda-feira, 30 de junho de 2014

Um extrato de mais uma história (revista) à portuguesa…

"Bom dia Dona Inércia. O que é que a senhora acha desta confusão no BES?"
"Ó filho, sei lá, são coisas de família."
"É só isso?"
"Sabes filho, quando o assunto é dinheiro até nas melhores famílias estala o verniz. Olha, eu tenho uma prima que por causa de um faqueiro de prata que a minha avó me deixou, deixou de me falar até hoje. O que até não foi mau porque me poupa o trabalho de ter que a ver."
"A Dona Inércia acha, portanto, aquilo tudo normal?"
"Normalíssimo, filho. No fim vai ficar tudo na mesma. Ou parecido. Afinal o BES tem a Inércia do seu lado."
"Acredita mesmo nisso?"
"Ó filho, eu acredito no que me dá menos trabalho."
"Então a Dona Inércia não está preocupada com o seu dinheiro?"
"Não. Se tivesse de me preocupar já tinha ouvido qualquer coisa e dizia-te. E com certeza que os senhores do Banco de Portugal ou os senhores dos jornais já tinham falado do assunto."
"Acha mesmo que o seu dinheiro está em boas mãos?"
"E em que outras mãos poderia estar? Aquilo são pessoas experientes, há muito tempo que têm a mão na massa, filho. Estão habituadas. E ainda por cima moram cá. Vais ver que aquilo resolve-se."
"E como é que se resolve, Dona Inércia?"
"Então filho, deixando andar, que andando as coisas resolvem-se."
"Já vi que a Dona Inércia não tem nenhuma preocupação."
"Deus me livre! Preocupações são uma trabalheira. Prefiro não ter. Dão quase tanto trabalho como mudar de banco."
"E a Dona Inércia acha que os outros clientes são como a senhora?
"Ó meu querido, os outros clientes não são como eu, os outros clientes são eu. Ainda não percebeste que eu sou um arquétipo?"
"Claro que percebi, Dona Inércia, por isso a estou a entrevistar."
"E olha que eu não sou só um arquétipo dos clientes do BES, sou de todos os portugueses em geral. A gente não muda, filho, dá uma trabalheira."
"Olhe que não é assim, Dona Inércia, às vezes é preciso mudar qualquer coisa; e às vezes muda-se."
"Pois é filho, e quando é preciso mudar qualquer coisa, aqui a Inércia vai ao cabeleireiro. E sabes que mais? Quando chego a casa todos dizem, 'Ai a Inércia está diferente' e eu rio-me porque estou igual: há anos que faço o mesmo penteado."
"Já o Ronaldo muda muito."
"E olha no que deu... Eu sou a favor de deixar as coisas estar como estão. Gosto de estar parada quando estou parada e de estar em movimento quando estou em movimento. Alterar o estado das coisas é que me parece muitíssimo desagradável."
"Mas agora no BES há muita movimentação..."
"Então se as coisas estão em movimento, é deixar estar em movimento. Olha filho, eu é que não me mexo. Se as coisas tiverem que mudar, que mudem."
"Ó Dona Inércia, não consigo entender. Se está tudo a mexer porque é que a senhora não se mexe também?"
"Porque se as coisas estão em movimento e eu me movimentar também, então nada muda. Agora se eu me deixar estar quietinha, enquanto tudo se movimenta, as coisas à minha volta mudam. Está a entender a Inércia, filho?"
Pedro Bidarra

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