Em 1989, o cientista político e economista americano Francis Fukuyama publicava o seu famoso artigo ‘O fim da história?’ na revista The National Interest. Nele, argumentava que a difusão mundial das democracias liberais e do livre capitalismo de mercado possivelmente sinalizavam o fim da evolução sociocultural da humanidade. 3 anos mais tarde, publicaria o livro ‘O fim da história e o último homem’, onde expandia essas ideias.
Decorridos 25 anos, os pontos de vista de Fukuyama continuam a ser debatidos e criticados.
Em entrevista à DW, o filósofo de 61 anos afirma que tais ataques ao seu texto são decorrentes de uma interpretação equivocada, e defende as suas teses à luz de eventos geopolíticos recentes.
DW: Em 1989, o senhor publicou o seu artigo mais conhecido, ‘O fim da história?’. 25 anos atrás, numerosos críticos diziam: "Este tipo está errado". O senhor sente que foi mal entendido ou admite agora que estava errado?
Francis Fukuyama: Acho que os maiores problemas têm a ver com um mal-entendido. O conceito de "fim da história" era a questão: em que rumo a história aponta? Para o comunismo – que era o ponto-de-vista de muitos intelectuais, antes – ou na direção da democracia liberal? E acho que, neste ponto, ainda estou certo.
História, no sentido filosófico, é realmente o desenvolvimento, ou a evolução – ou modernização – de instituições, e a questão é: nas sociedades mais desenvolvidas do mundo, que tipo de instituições são essas?
Acho que está bem claro que qualquer sociedade que pretenda ser moderna ainda precisa ter uma combinação de instituições políticas democráticas com uma economia de mercado. E eu não acho que a China, a Rússia ou qualquer outro concorrente invalidem esse argumento.
O senhor menciona a China e a Rússia. Eu gostaria de conversar sobre a Ucrânia. Onde nos vê historicamente neste momento?
Bem, eu acho que a Rússia não se desenvolveu na direção de uma democracia liberal de verdade, e as suas ambições territoriais e geopolíticas não desapareceram. Mas no fim de contas, eu acho que o sistema russo é muito fraco, depende completamente de preços altos de energia. Mesmo na Rússia não é aceite inteiramente como uma forma legítima de governo. Então não é um real competidor.
Quando vê o presidente russo, Vladimir Putin, na televisão, e vê o seu comportamento, considera um bom exemplo para a sua tese de que o reconhecimento é um impulsionador importante da história?
Penso que, de diversas maneiras, é isso. Porque ele e muitos outros russos recorrem a um poço de ressentimentos – de que a Rússia não teve reconhecimento, de que foi considerada fraca, de que os seus interesses não foram respeitados pelos países ocidentais durante a ampliação da NATO, e pelas coisas que aconteceram nas décadas de 1990 e 2000. Assim, creio que o reconhecimento, para ele, é uma questão.
Os políticos ocidentais, americanos ou europeus, deveriam dar atenção, reconhecimento a Putin?
Acho que é tarde demais para isso. Muitos desses problemas foram baseados em decisões tomadas na década de 90, e é impossível desfazê-las. Realmente acredito que é preciso tratar a Rússia como um país sério, com os seus interesses nacionais próprios. Eles podem não ser os mesmos que os nossos, mas é preciso, de qualquer forma, começar pelo respeito.
Os acontecimentos na Ucrânia parecem ser o início de uma II Guerra Fria. Entretanto, no momento há sinais de que ambos os lados estão a ceder. Diria que essa Guerra Fria está suspensa, por enquanto?
A Guerra Fria foi um fenómeno tão diferente! Era um conflito global, um conflito de ideias e a propósito de 2 sistemas políticos muito diferentes. Isso agora é uma batalha para restaurar a dignidade dos russos, sem implicações reais fora das áreas da antiga União Soviética. Nesse sentido, não é em nada parecido com a Guerra Fria em si.
No tocante a sistemas e governos que funcionem, qual é a sua visão do seu próprio país, os Estados Unidos?
Eu argumento, num próximo livro, que o sistema político americano se deteriorou em muitos aspetos por ter sido seriamente sequestrado por diversos grupos de interesses poderosos. Muitos dos instrumentos de travão e contrapeso (checks and balances), de que nos orgulhamos, resultaram, na prática, no que eu chamo de "vetocracia", ou seja: há grupos demais que detêm o poder de barrar decisões. Como resultado, o Congresso ficou paralisado, o que eu considero um grande problema para nós.
As instituições democráticas americanas estão em decadência? O que significaria isso para os EUA, como um todo: eles são uma superpotência em retirada?
Não, não vejo a coisa assim, absolutamente, porque na verdade a economia americana está bem de saúde e é, provavelmente, a mais saudável de todas as grandes economias democráticas. Gás de xisto, Silicon Valley: há muitas fontes de crescimento e inovação. Apenas acho que o sistema político não vai bem. Mas a sociedade americana é sempre um pouco mais o setor privado do que o setor público.
Voltando a ‘O fim da história’, qual é a sua previsão para os próximos 10 ou 20 anos?
Acho que nós estamos a passar por um período difícil, em que tanto a Rússia como a China se expandem. Mas estou convencido de que é um fenómeno limitado, que, a longo prazo, só existe uma ideia organizadora importante: a ideia de democracia numa economia de mercado. Portanto, a longo prazo, continuo otimista.
Sem comentários:
Enviar um comentário