Por maioria, o Conselho Europeu decidiu na última sexta-feira propor ao Parlamento Europeu Jean-Claude Juncker como presidente da Comissão Europeia. Votaram a favor 26 dos estados da UE, tendo o Reino Unido e a Hungria votado contra. A decisão final sobre a indigitação de Juncker para aquele cargo cabe agora ao Parlamento Europeu, que sufragará sem dificuldades a proposta.
Azeredo Lopes
A história parece simples. Foi uma escolha coletiva, foi escolhido um candidato, a maioria foi esmagadora, houve dois estados que votaram contra mas, democraticamente, prevaleceu a vontade dos demais, porque eram mais.
A realidade é no entanto mais complexa e com feridas que vão demorar a cicatrizar.
O processo de designação do presidente da Comissão Europeia, como se saberá, foi alterado. Atualmente, o Conselho Europeu deve ter "em conta as eleições para o Parlamento Europeu".
Como se vê, o Conselho Europeu não está sujeito a uma obrigação automática, e muito menos está obrigado a um nome. Mas os principais partidos concorrentes às eleições europeias de 25 de maio (o PPE e o grupo socialista) perceberam que ali estava a sua oportunidade. Que, se apresentassem cada um seu candidato, a pressão sobre o Conselho Europeu - em termos concretos, sobre os governos dos estados-membros - aumentaria sobremaneira. E assim fizeram, e bem fizeram. O PPE apresentou Jean-Claude Juncker, os socialistas o alemão Martin Schulz. Ficou Juncker, uma vez que o PPE foi o grupo que agregou mais mandatos: foi o mais votado.
Se não queriam ficar sujeitos a esta modificação nem sequer muito subtil das regras do jogo e do que dispõe o Tratado da UE, os estados-membros tinham bom remédio. Logo deveriam ter anunciado (e mantido) que não ficavam vinculados a este processo e que, quando muito, na escolha do candidato por que optassem olhariam aos resultados das eleições para definir o perfil e a família ideológica do escolhido. Mas, calaram: e, mesmo se alguns falaram, exprimiram-se de forma tão ambígua e contraditória que ficaram sem margem de manobra. Por mim, no entanto, ainda bem - porque este processo reforça a legitimidade do presidente da Comissão e sujeita-o, ainda que indiretamente, ao voto dos europeus.
Estávamos nisto quando David Cameron, primeiro-ministro britânico, decidiu entrar em liça e contestar, em termos virulentos e muito agressivos, a escolha de Juncker. Fê-lo, no essencial, declarando que este é demasiado "europeu" e que até padece de uma doença perigosa: tem convicções federalistas.
Não é fácil compreender o motivo pelo qual Cameron, de forma pouco britânica e muito sanguínea, decidiu fingir que era o D. Quixote que vinha das ilhas. Depois de uma tareia das antigas nas eleições europeias às mãos do UKIP e dos Trabalhistas, Cameron terá porventura congeminado que, para reconquistar um eleitorado eurocético (que se transferiu em massa para o UKIP), tinha que fazer voz grossa e mostrar que a Union Jack ainda tem um poder decisivo - nem que seja para dizer não - nos territórios estranhos e hostis do continente europeu.
Enganou-se redondamente, porque subestimou duas variáveis determinantes. Lançou um ultimato público que imediatamente extremou os campos, apenas tendo a seu lado peões da brega (como a Hungria). E, com avanços e recuos sucessivos, expôs até à náusea que as suas convicções eram levezinhas e puramente táticas e nunca lhe permitiriam bater com a porta. Ameaçou de forma pouco velada submeter a referendo a saída do Reino Unido da EU, lançou uma série de ataques ad hominem contra Juncker, fez bluff. Azar dos Távoras, tudo lhe correu mal.
Cameron está agora muito pior do que quando se lançou nesta cavalgada pouco sensata. Fica com Juncker, goste ou não goste, alcançando até a "proeza" de fazer os restantes estados cerrarem fileiras e unirem-se em torno daquele nome (de que vários não gostam). Cristaliza, no plano interno como no da União Europeia, a imagem do perdedor. Reforça a Alemanha, que agradece a prenda, reforça os radicais do UKIP e demonstra, se necessário fosse, faltar-lhe envergadura como estadista. Deve ser difícil fazer melhor.
Cameron é mais ou menos como alguns de nós. Bravata quanto baste, agarrem-me que eu mato-o, e no fim acaba tudo a beber uns copos. E ele a pagar uma rodada geral.
A Inglaterra esteve sempre com um pé dentro e outro fora da União Europeia e este episódio é apenas mais um dessa indefinição.
ResponderEliminarCumps
Pois! Nem devia ter entrado... Para ter políticas autónomas, como entrar em guerras, offshores, a City, etc., mais valia ir dar uma volta.
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