Pedro Marques Lopes
1. A questão da possível prescrição de coimas aplicadas a banqueiros, na sequência de delitos graves, tem gerado as mais variadas declarações de desagrado e até revolta.
Os pedidos de alterações legislativas, sempre que situações como estas ou similares acontecem, são os habituais. Acontece uma anomalia no sistema e zás, lá aparecem os pedidos de novas leis. Tentar legislar em cima duma situação pontual e em curso já é em si mesmo um erro brutal. Não é numa altura em que todos os instintos primários estão em carne viva que se consegue fazer uma lei justa e equilibrada. Mas o problema, neste caso concreto e na esmagadora maioria das ocasiões, não está na lei mas sim na sua aplicação pelos operadores judiciais e demais utilizadores do sistema. A perspetiva de que tudo se pode resolver com uma lei é um dos vícios nacionais.
Como qualquer discussão, com o nível de ruído que provoca um possível perdão de multa a um banqueiro, apareceram logo as propostas de alargamento dos prazos ou mesmo o fim das prescrições - é impossível não recordar as declarações da ministra da Justiça sobre o fim da impunidade. Convém lembrar que os nossos prazos para os diversos tipos de prescrições não são diferentes da generalidade das democracias ocidentais, e que este tipo de instituto jurídico é fundamental num estado de direito. Os cidadãos têm o direito de ver o seu relacionamento com a lei e as autoridades tratado em tempo razoável e não podem viver em permanente dúvida sobre quais são os seus deveres. E isto tem de ser assim para qualquer crime ou contraordenação. A prescrição é um dos institutos essenciais da segurança jurídica, trave mestra de qualquer democracia liberal. É preciso que fique bem claro que não está em causa um tratamento especial para a situação em causa.
As possíveis prescrições das coimas nos casos BCP, BPP e BPN provocam danos irreparáveis na comunidade. Extravasam em muito as questões jurídicas. Agravam perceções potenciadoras de problemas gravíssimos.
Desde logo, a sensação de que a lei não é igual para todos. De que não há cidadão que não seja perseguido até aos infernos por não pagar uma multa de trânsito e que delinquentes endinheirados podem ficar impunes. Que enquanto um comerciante terá o seu estabelecimento encerrado se um iogurte aparecer estragado, um indivíduo que delapidou o erário público em milhões e milhões pode escapar, simplesmente porque esse efetivo assalto, ou a existência de fortuna, lhe proporcionou meios que lhe permitem bater o sistema. Tão mau como a lei não ser igual para todos é a sua aplicação estar dependente do estatuto social ou económico do eventual prevaricador.
Uma comunidade funda-se na confiança. A confiança que temos em ser tratados de forma idêntica pelas autoridades, de que as eventuais diferenças têm uma razão facilmente explicável e justa; de que todos pagamos impostos e de que esses impostos são aplicados no desenvolvimento do bem comum.
Numa época, em que esta confiança está seriamente posta em causa, em que a sensação de que os sacrifícios não estão a ser equitativamente distribuídos, em que todos os dias temos a confirmação de que há uma vontade política de pôr funcionários públicos contra privados, pensionistas e reformados contra gente no ativo, velhos contra novos, empresários contra trabalhadores, numa espécie de tentativa de criar uma sociedade em que a matriz seja o conflito, a notícia da possibilidade da prescrição destas coimas é ainda mais assustadora.
Daqui até ao discurso do "para quê votar se eles são todos iguais" e "eles defendem-se uns aos outros", vai um passo dum anão. Até ao salvador que reporá a justiça um passinho de formiga.
O pior, o que amedronta qualquer crente na democracia, é a desconfiança no Estado de direito que estas situações criam. Mais, a perda de confiança no outro, a perda de confiança no sistema é o mais perigoso sinal da possível desagregação duma comunidade. Ao pé disto, austeridade, dívida, programas cautelares, são pequenos detalhes. Estas doenças terão, cedo ou tarde, cura. A desconfiança, a sensação de injustiça, a perceção de desigualdade perante a lei, demoram muito, mas muito mais tempo a curar. Se é que se conseguem curar. Mais do que a democracia, é a comunidade que corre o risco de prescrição.
2. Por, com certeza, falha minha, da boca de Vítor Bento só tenho ouvido banalidades e lugares-comuns. Na última sexta-feira, escutei-o na TSF. Aconselhou os portugueses a ter uma atitude "à Cristiano Ronaldo" e acerca do debate sobre a dívida pública, mandou um evidente recado aos subscritores do Manifesto dizendo que não sabem daquilo que falam, que não estudam e que apenas mandam palpites.
Também ouvi este tipo de argumentos a um taxista, talvez chegue a conselheiro de Estado.
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