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quarta-feira, 26 de março de 2014

A tia Dora está isenta! Guarda as notas no colchão…

Teodora Cardoso, respeitada economista e presidente do Conselho de Finanças Públicas (CFP), começou a semana com uma proposta aparentemente surpreendente: criar uma taxa sobre levantamentos de dinheiro de contas onde os cidadãos recebam salários e pensões. Frisou que é apenas uma ideia e que esse imposto "não existe em lado nenhum", embora os britânicos já estejam a discutir esse cenário. O objectivo seria o de estimular a poupança.
A proposta da economista foi feita nas jornadas parlamentares do PSD, em Viseu: "Este imposto consistiria nos rendimentos das pessoas, seja trabalho ou capital, quaisquer rendimentos, serem pagos a uma conta bancária de poupança. Seria sobre os levantamentos dessa conta que incidiria o imposto, com o pressuposto que só levantaríamos dinheiro dessa conta para gastar". E continuou a explicação: "o imposto seria progressivo sobre o valor da despesa e não sobre o rendimento". Poupa-se mais e, segundo a própria, seria uma "maneira de financiar o investimento".
A ideia de taxar levantamentos via multibanco para incentivar a poupança não é nova. Ainda no início de março, Vítor Bento, outro respeitado economista e presidente da SIBS (a empresa que gere a rede de multibancos, um sistema em que Portugal é pioneiro), sugeriu um imposto de selo sobre os levantamentos realizados nas caixas automáticas, em resposta a uma proposta do Partido Socialista para reduzir as comissões pagas pelos comerciantes quando são feitos pagamentos com cartões electrónicos de débito e crédito.
Vitor Bento alertou que isso poderia alterar o equilíbrio do actual sistema, com o risco real de "beneficiar os sectores que continuam a aumentar lucros" (os grupos de distribuição) e "onde estão as grandes fortunas", prejudicando os consumidores. Também o presidente da Unicre, Adão da Fonseca, e o presidente da Mastercard, Paulo Raposo, alertaram para esse risco, na mesma comissão parlamentar. O presidente da SIBS defendeu mesmo que há algumas operações que a banca não está a fazer através dos ATM "porque não pode cobrar por elas e isso está a inibir a inovação". E foi nessa comissão na Assembleia da República que Vítor Bento propôs que os deputados alterassem a lei que proíbe o pagamento de comissões nos levantamentos e outras operações feitas na rede de multibancos, para que a banca possa cobrar por outras operações, com a excepção dos levantamentos. Além disso, o tal imposto de selo sobre os levantamentos seria uma receita extra para o Estado e poderia reduzir a fuga ao fisco e a economia paralela.
A verdade é que, em abril, o Parlamento Europeu deverá votar uma iniciativa legislativa da Comissão Europeia e, por isso, os representantes da SIBS, Unicre e Mastercard defendem que é melhor esperar pela decisão do Parlamento Europeu. Ou seja, pode mesmo vir a haver alterações na relação dos clientes com os bancos, em especial com os levantamentos no multibanco e os pagamentos com cartões de débito ou crédito. Ora, estas reflexões dos economistas ou gestores ligados à banca, embora sejam baseadas em argumentos sólidos do ponto de vista técnico, lembram-me sempre o que aconteceu nos últimos largos anos em Portugal: o forte aumento das comissões dos bancos sobre cartões, cheques e operações ao balcão para reduzir custos de estrutura, com pessoal e outros aspectos operacionais, sob o pretexto da comodidade e facilidade da net. Isso não terá nada de mal, mas a questão está na transparência da argumentação e seus princípios.
Isto é, o que está em causa é sustentar modelos de negócio e manter ou fazer crescer margens da banca, argumentando-se - no caso de Teodora Cardoso - com a "bondade" de travar o consumo desses portugueses despesistas que levantam o dinheiro todo do multibanco e, por falta de literacia financeira, não têm hábitos de poupança. Esquecem-se alguns economistas e gestores que a maioria da população não tem margem para poupar e que o povo já percebeu bem - na pele e bolso - que o dinheiro encolheu e que a pobreza aumentou, como revelam as recentes estatísticas?
A pesada carga (ou napalm) fiscal sobre o que resta da classe média (ou mesmo média-alta) e o elevado endividamento das famílias - que foi estimulado pelo próprio sistema financeiro no crédito ao consumo e à habitação e por um sistema partidocrático financiado por alguns construtores e prisioneiro de autarcas que precisavam de receita para ganhar votos, no caso da bolha imobiliária - não serão factos por demais evidentes para demonstrar que os portugueses já não precisam de mais impostos, inclusive sobre os levantamentos no multibanco?
Como referi recentemente (na minha página no Facebook), quando soube desta "ideia inovadora" de Teodora Cardoso: e se criássemos uma taxa ou imposto sobre medidas de políticos e economistas que agravam a vida e o bolso dos portugueses? E, já agora, com efeitos retroactivos aos últimos 20 anos? Seria também um incentivo ao bom senso na gestão da coisa pública e da banca (que, convém lembrar, tem sido salva pelos contribuintes e pelo BCE...) e era capaz de ajudar a tapar um pouco do défice orçamental ou, pelo menos, amortizar o serviço da dívida pública.
Nas redes sociais, alguém ironizou que "ainda não se lembraram da licença de isqueiro porque ainda não eram nascidos". A resposta é simples: no caso da economista Teodora Cardoso e de vários gestores públicos, banqueiros e governantes (que têm desempenhado funções neste país nas últimas décadas), creio que são do tempo da licença do isqueiro... De qualquer modo, julgo que as boas ou más ideias e medidas políticas ou de gestão não terão tanto a ver hoje com a idade e experiência, porque, nalguns casos, vou vendo jovens com atitude de velhos e idosos com ideias e formas de estar novas, sabendo adaptar-se bem aos novos tempos, com resiliência e sabedoria.
O problema não estará tanto na idade dos políticos e economistas ou na qualidade das ideias "salvadoras" da banca e da poupança dos portugueses. A questão está mesmo no uso do isqueiro nesta floresta seca e semi-falida da III República, 40 anos depois da conquista da Liberdade de pensamento e de expressão.

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