"Uma política orçamental de estímulos em conjugação com uma reestruturação de dívida pública pode melhorar os estragos feitos pela crise financeira, pela Grande Recessão que se lhe seguiu e pelos mal escolhidos programas de austeridade impostos pela troika", diz Michael Ash, professor de Economia e de Políticas Públicas da Universidade de Massachusetts em Amherst, nos Estados Unidos, e um dos 74 economistas estrangeiros que apoiaram o manifesto pela reestruturação da dívida portuguesa lançado por 74 economistas portugueses.
Ash, o colega Robert Polin e o aluno de doutoramento Thomas Herndon ganharam notoriedade no verão do ano passado quando revelaram os erros de base da teoria inicial de Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff sobre um alegado limiar de 90% do PIB a partir do qual o sobreendividamento público geraria inevitavelmente recessão económica.
Jorge Nascimento Rodrigues
Por que razão decidiu apoiar o manifesto pela reestruturação da dívida portuguesa, a 2 meses do final do programa de resgate da troika?
Devo começar por assinalar que não tenho intenção de interferir com a discussão e o processo democrático em Portugal. Tenho plena confiança em que o povo português tomará excelentes decisões para o seu país. Posto isto, há que sublinhar que a economia portuguesa foi bastante danificada pela crise financeira de 2008, depois pela Grande Recessão que se lhe seguiu e pelos mal escolhidos programas de austeridade impostos pela troika. Os estragos são mais evidentes na taxa de desemprego, que é um desastre social e humano, e em outros indicadores sociais perigosos (emigração, saúde, educação), mas também no crescimento fraco e, apesar de uma política de austeridade severa, no crescimento da própria dívida pública.
Qual a saída, então?
Uma política orçamental de estímulos em conjugação com uma reestruturação da dívida pode corrigir os estragos.
Uma ideia central do manifesto português é conseguir uma mutualização de parte da dívida pública. É uma solução para o recuo substancial do sobreendividamento? A Europa necessita de uma mutualização orçamental. Ou seja, a União Europeia deve comportar-se mais como uma união orçamental, se pretende proteger e elevar o bem-estar de grande parte da sua população. A mutualização da dívida pública pode contribuir para esse processo. Mas não sou especialista em detalhes de mutualização.
É possível legalmente avançar nesse sentido?
Há limitações estatutárias atualmente em relação a subsídios entre países membros na gestão da dívida pública, que alguns acham que são barreiras à mutualização. Outros invocam inclusive o risco moral como razão para não haver mutualizações.
E o risco moral não é relevante?
A hecatombe do sector financeiro em 2008 foi mutualizada. Eu sou a favor de que o fardo da crise e da recessão seja repartido por todos os sectores da Europa, na base da responsabilidade, da capacidade de pagar, e da possibilidade de melhorar o crescimento económico sustentável. E tudo isso aponta para mutualização da dívida.
Mas é politicamente viável no atual quadro europeu?
Não me sinto qualificado para predizer sobre a viabilidade política. Mas pode haver surpresas - em que o impensável num dado ano se torne evidente no ano seguinte.
Portugal não necessitará, para começar, de uma reestruturação da dívida pública ao estilo clássico, com um corte profundo no valor facial da dívida, que, mesmo em termos líquidos, já rondava os 200.000 milhões de euros no final do ano passado?
Necessitar é uma palavra forte. Eu creio que uma política de estímulos que faça regressar rapidamente Portugal - e outros países da periferia europeia - a um crescimento real e nominal partilhado pode reduzir rapidamente, em termos relativos, a importância da dívida pública, sem necessidade de um "corte de cabelo" (hair cut).
Mas isso chegará a tempo?
Bom, dito o que disse atrás, inverter o ónus gerado por um sector financeiro europeu altamente irresponsável, fazendo recair o fardo nesse sector e retirando-o de cima das famílias trabalhadoras de Portugal, da Grécia e inclusive da Alemanha, será justo e estimulante. Nesse quadro, um "corte de cabelo" pode contribuir para restaurar um crescimento equilibrado, mais do que reescalonamentos de prazos ou ajustamentos de juros.
Uma das críticas que se faz hoje ao processo de reestruturação na Grécia em 2012 é que poupou o sector oficial dos credores. Além do envolvimento do sector privado, não é necessário um envolvimento do sector oficial no corte da dívida?
As reestruturações de dívida são complexas. E pode ser, de facto, difícil depender apenas dos mecanismos privados de mercado para redistribuir o fardo da dívida. No artigo "O elefante branco das recompras", Jeremy Bulow e Kenneth Rogoff, já em 1988, avisavam que [um processo de recompras ou trocas de dívida] em países sobre endividados "poderia simplesmente ser uma forma de usar recursos escassos para subsidiar os credores". A reestruturação da dívida pública, no atual contexto português e europeu, necessita muito do envolvimento de um sector oficial que responda democraticamente.
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