O Presidente da República requereu este sábado a fiscalização preventiva da constitucionalidade do regime de convergência de pensões entre o sector público e privado, que reduz cerca de 10% as pensões superiores a 600 euros pagas pela Caixa Geral de Aposentações.
Cavaco Silva pediu ao Tribunal Constitucional para verificar "a conformidade destas normas" com a Lei Fundamental, "designadamente com os princípios da unidade do imposto sobre o rendimento, da capacidade contributiva, da progressividade e da universalidade, e com o princípio de protecção da confiança, quando conjugado com o princípio da proporcionalidade".
O persistente confronto do Governo com os princípios básicos da Constituição da República e a sua conivência objectiva com as deploráveis pressões externas sobre o Tribunal Constitucional estão a gerar uma incomodidade manifesta em sectores relevantes da própria direita.
Pedro Silva Pereira
E percebe-se porquê: a direita que nos governa não é aquela que nos habituámos a conhecer. Para impor a sua agenda neoliberal, Passos Coelho mostra-se claramente disposto a tudo, incluindo uma ruptura com o contrato social e com os valores mais elementares do nosso Estado de Direito. Ao fazê-lo, porém, está a romper definitivamente com o que ainda restava da tradição social-democrata do PSD e a arrastar o seu parceiro de coligação para uma governação ao arrepio de todas as suas bandeiras tradicionais - tornando o CDS num partido irreconhecível. As vozes respeitáveis de protesto que se ouvem na direita portuguesa são, pois, uma resposta natural em legítima defesa do património de ideias e de valores que está a ser ostensivamente traído pela liderança do Governo e pela doutrina económica que o capturou.
Veja-se o caso da proposta dita de "convergência das pensões". Como é evidente, está em clara rota de colisão frontal não apenas com os compromissos eleitorais dos partidos do Governo mas também com a visão social-democrata da segurança social e com a proclamada identidade do CDS como "partido dos pensionistas". Mas, pior do que isso, a proposta do Governo parece desenhada em forma de desafio aos princípios constitucionais do nosso Estado de Direito, que as constantes pressões e chantagens sobre o Tribunal Constitucional apenas acentuam.
Na verdade, como já aqui expliquei, apesar de saber que a sua iniciativa será constitucionalmente escrutinada do ponto de vista do princípio da confiança, o Governo avançou para o corte das pensões já atribuídas da Caixa Geral de Aposentações (CGA) sem estabelecer um calendário definido para a duração dessa medida (dita excepcional e transitória) e fazendo até depender a cessação da sua vigência de níveis duradouros de crescimento económico e de défice público tão inusitados que dificilmente poderão ser aceites como caracterização do termo do actual período de excepcionalidade financeira.
Por outro lado, embora sabendo que a sua iniciativa vai ser avaliada constitucionalmente do ponto de vista do princípio da igualdade proporcional, o Governo não só optou por atingir pensionistas logo a partir de rendimentos muito baixos, como assume pretender fazer recair sobre uma categoria determinada de pessoas, os pensionistas da CGA, os encargos com a sustentabilidade da Caixa Geral de Aposentações cujo desequilíbrio financeiro, acumulado ao longo de muitos anos, se deveu essencialmente a sucessivas decisões de política orçamental (não capitalização da CGA; criação de regimes especiais de aposentação; corte nas remunerações dos funcionários; controlo das admissões na função pública; fecho do sistema da CGA a novas admissões; transferência de fundos de pensões...), medidas que, prejudicando a CGA, resultaram em benefício geral das políticas públicas e/ou dos contribuintes, tornando-se um problema indissociável do equilíbrio geral das contas públicas para o qual todos devem contribuir em condições de igualdade, de acordo com a sua capacidade contributiva. Mais: ao sobrecarregar desta forma acrescida os pensionistas da CGA, o Governo pura e simplesmente ignora a pesada acumulação de medidas de austeridade que já impendem sobre os pensionistas: o congelamento das pensões; a redução do Complemento Solidário para Idosos; a redução das deduções específicas em sede de IRS; o corte dos subsídios de férias e de Natal (em 2012); o "enorme" aumento do IRS e a respectiva sobretaxa (que transitam de 2013 para 2014); o aumento das contribuições para a ADSE e a violenta Contribuição Extraordinária de Solidariedade (que igualmente se mantém).
A atitude do Governo parece uma provocação ao Tribunal Constitucional. E, como muitas vezes sucede em política, o que parece é. É por isso que quem, à esquerda ou à direita, preza o Estado de Direito e o Estado Social faz ouvir a sua voz e reage a esta tentativa de agressão. Numa resposta que é, cada vez mais, uma legítima defesa colectiva.
Presidente da República já chamou a convergência de "imposto extraordinário".
– “Irei receber 1.300 euros por mês, não sei se ouviu bem: 1.300 por mês. (…) Tudo somado, o que irei receber do fundo de pensões do Banco de Portugal e da Caixa Geral de Aposentações quase de certeza que não vai chegar para pagar as minhas despesas, porque, como sabem, eu também não recebo vencimento como Presidente da República." 20 de Janeiro 2012
– "Pedi informações ao Governo, ele forneceu-me todas as informações que foram solicitadas e, face às razões de interesse nacional que me apresentou, entendi que não devia obstar à entrada em vigor do diploma." 10 de Abril de 2012 (sobre a promulgação do diploma que congela reformas antecipadas voluntárias até 2014)
– "Um qualquer ‘estado de necessidade’ financeiro ou fiscal não parece autorizar que as pensões de nível médio ou superior, por se reportarem a uma minoria (embora expressiva) de pensionistas, possam ser submetidas a um agravamento tributário profundamente desigual e até exorbitante." 2 de Janeiro de 2013 (In documento do pedido de fiscalização do OE ao TC)
– "A informação que me foi dada é que tudo será feito para não penalizar novamente os pensionistas e reformados. Este grupo tem sido duramente atingido duramente nos últimos tempos no nosso país.” “Há limites de dignidade que não podem ser ultrapassados." 14 de Maio de 2013 (a respeito da taxa de sustentabilidade que poderia vir a ser aplicada aos pensionistas)
– "A criação de um novo imposto extraordinário sobre o rendimento dos pensionistas da Caixa Geral de Aposentações vai entrar ou acaba de entrar na Assembleia da República, onde será objecto de debate, é assim que deve ser." (a propósito da convergência das pensões da CGA e da Segurança Social) 16 de Setembro de 2013
– “Se tomar a decisão de enviar [para o TC] a convergência de pensões dos 2 sistemas, Caixa Geral de Aposentações e Segurança Social, eu farei um comunicado para delícia dos senhores jornalistas.” 22 de Novembro de 2013
O que não entendo é que tanta acusação ao Cavaco, negada na pratica pelo acto concreto(pedir fiscalização) não seja uma vergonha para quem faz tanta paragona. A poltica é mesmo a arte de sem vergonha se provar que o preto afinal é branco.
ResponderEliminarMas só fez parte do que deveria fazer, pelo 3.º ano consecutivo, ao não mandar o OE2014 para o TC... E se não houvesse os casos Soares e polícias no Parlamento, Cavaco teria mandado o roubo das pensões?
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