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segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Quando a ignorância é reconhecida como uma virtude

Há 2.500 anos, o filósofo grego Sócrates foi julgado por corromper a juventude ateniense e desrespeitar os deuses. Por esses crimes, foi condenado à morte.
Neil Bearden
Nassim Taleb
A verdadeira motivação por trás das acusações, contudo, parece ter sido o facto de Sócrates ter exposto a ampla corrupção intelectual dos detentores do poder. Foi morto devido à sua preocupação com a verdade, mostrando que as elites de Atenas não partilhavam dessa preocupação e sabiam muito menos do que afirmavam saber.
Há umas semanas, aqui em Singapura, conheci um homem que me recordou Sócrates: Nassim Taleb (autor de “The Black Swan” e, mais recentemente, “Anti-Fragile”). Sócrates expôs as pretensões de conhecimento dos seus contemporâneos e Taleb tem, hoje em dia, uma função similar. Acredito que ele é, como Sócrates, um raro homem honesto.
Na noite em que fui ouvir Taleb falar, esperava aborrecer-me profundamente — achava que ia ouvi-lo arengar ofensivamente acerca dos impactos perniciosos da indústria financeira moderna, um dos seus temas favoritos. Os seus escritos tinham-me parecido muitas vezes arrogantes, diatribes pouco concisas contra caricaturas de grupos (tipicamente economistas, banqueiros e professores das escolas de gestão), e era esse género de discurso que receava ouvir essa noite.
Em vez disso, encontrei o que acredito ser um raro homem honesto, alguém para quem a verdade é mais importante do que gostarem dele. Foi invulgar ouvir alguém responder à maioria das perguntas que lhe faziam com um, “Não sei. Como posso saber?” Arengou, de facto, acerca dos professores das escolas de gestão, que professam ter respostas para tudo mas que, afirmou, sabem frequentemente muito pouco (revelação: sou professor numa escola de gestão). Eu estava mesmo ao lado dele durante essa parte e a coincidência agradou-me, porque concordei com ele e foi bom ouvir alguém dizer a verdade.
Mas os professores das escolas de gestão são apenas parcialmente culpados das suas pretensões de conhecimento. As pessoas para quem falam - a sua audiência - querem respostas às perguntas. Responder “Não sei” é, julgo eu, quase sempre visto como sinal de incompetência ou negligência do dever (dar respostas). Os nossos hipotéticos professores das escolas de gestão podem estar a dar às suas audiências o que elas querem, não necessariamente o que precisam. A audiência quer respostas, mas do que precisa é de verdade. (Não me porei aqui a fazer filosofia barata, tentando apresentar uma definição de verdade.) E essa verdade desejada pode não estar disponível para toda a gente: até os melhores e mais honestos interrogatórios podem ser inconclusivos. É uma verdade, calculo eu.
Na “Apologia de Sócrates”, Platão conta-nos que Querofonte perguntou ao oráculo de Delfos se Sócrates era o homem mais sábio de Atenas, ao que este respondeu que sim. De acordo com a lenda, Sócrates deu por si confrontado com um paradoxo: ele era profundamente ignorante e, contudo, era o mais sábio dos homens. Para tentar resolver o paradoxo, atribuiu a si mesmo o projeto de perceber o que as outras pessoas de Atenas sabiam. Interrogou homens de Estado, generais e outras elites, e concluiu que, apesar das suas afirmações em contrário, sabiam muito pouco. Finalmente, decidiu que o Oráculo talvez tivesse razão, porque ele sabia que não sabia muito, ao passo que os outros, que também sabiam pouco, julgavam saber muito. Saber que era ignorante tornou-o sábio.
Sócrates é agora uma figura histórica respeitada, cujo nome quase toda a gente que me está a ler conhece. O que é fácil esquecer é que a sua história tem sido sempre contada por ele ser um homem honesto que, acima de tudo, sabia não ter as respostas. Em Sócrates, vemos a sua ignorância reconhecida como uma virtude. Curiosamente, no nosso mundo atual, radicalmente mais complexo, parecemos querer que os “peritos” tenham sempre as respostas. Proponho que, em vez disso, nos negócios, na política e na vida em geral, consideremos seriamente respeitar os nossos contemporâneos sempre que eles demonstrem uma humildade socrática e nos permitam saber que não sabem.
Pode parecer um exagero adulador dizer que vi em Taleb (que, tal como o filósofo grego, é uma figura sólida e atarracada, com uma grande barriga) um Sócrates dos tempos modernos. Mas ele pareceu-me um homem que valoriza mais a verdade do que entrar numa qualquer lista Top 10 ou ter partilhas ou “likes” nas redes sociais. Infelizmente, esta honestidade parece-me muito rara. Espero que ele continue a corromper a juventude e a desrespeitar os deuses durante muito tempo.
Entretanto, pense sempre que a pessoa sem respostas - aquela que diz “Não sei!” - pode ser a mais responsável e respeitável que se encontra à mesa de reuniões.
Neil Bearden é professor associado de Ciências da Decisão na escola de economia INSEAD, onde também ensina e investiga julgamento.

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