A sugestão partiu do presidente do Banco Espírito Santo de Investimento (BESI): os encargos do Estado com as parcerias público-privado (os juros pelos negócios das estradas, basicamente) deviam beneficiar de um período de “carência” no seu pagamento em 2014.
Os contribuintes serão chamados a pagar, em termos líquidos, 1.166 milhões de euros pelas PPP rodoviárias. Se houvesse renegociação nos termos do serviço da dívida, “por 1 ou 2 anos”, como disse José Maria Ricciardi em entrevista ao Dinheiro Vivo, o alívio no défice poderia ir desse valor até a um mínimo de quase 600 milhões.
O presidente do BESI defendeu que “a obrigação do governo é arranjar medidas alternativas” aos possíveis chumbos de medidas do Tribunal Constitucional. “Por exemplo, em 2014 vamos passar a pagar 1.600 milhões de euros nas PPP, nomeadamente com a entrada do serviço da dívida das rodovias. Não sei se não era possível renegociar mais 1 ano ou 2 desse serviço da dívida. Não é deixar de pagar, mas se houvesse uma maior carência nesse serviço da dívida isso poderia ser uma compensação”, indicou o banqueiro.
Ora, se a fatura devida em 2014 com as parcerias ruinosas no sector rodoviário fosse diluída em 2 anos, a preços constantes desse ano significava que os juros podiam ser reduzidos em 583 milhões de euros (0,3% do produto interno bruto); se a negociação fosse feita para pagar em 3 tranches (3 anos), os encargos anuais desceriam para 777 milhões de euros (0,5%).
Se a carência fosse total, como parece sugerir o banqueiro, Portugal livrava-se desse fardo de 1.166 milhões de euros (0,7% do PIB) em 2014, ano decisivo para tentar regressar aos mercados e evitar um 2.º resgate ou condições mais duras num programa cautelar. Mas, claro, iria sobrecarregar os anos a seguir e seria expectável que um adiamento das responsabilidades originasse uma pressão crescente muito grande ao nível das taxas de juro dos contratos. A meta para o défice do próximo ano é 4%.
As PPP rodoviárias, negócios em que o grupo Espírito Santo até nem está muito exposto financeiramente, formam a fatia de leão (71%) dos encargos totais líquidos, que ascendem a 1.645 milhões de euros só em 2014, diz o relatório do Orçamento do Estado.
Para além dos 1.166 milhões das estradas, os contribuintes terão de pagar mais 418 milhões nas PPP da saúde (em que o grupo Melo, mas também o BES estão envolvidos, por exemplo).
Ricciardi alertou que “não podemos correr o risco de ter um 2.º resgate. Portanto, se alguma destas medidas for reprovada, temos de conseguir arranjar alternativas”.
Quando o governo diz, mais uma vez, que não tem “Plano B” para os chumbos previstos do TC, eis que surge uma sugestão defendida por toda a gente há muito tempo e que se traduz em ir buscar dinheiro onde o há, ou reduzir os compromissos contratualizados e excessivos, concretamente às PPP.
Vindo a sugestão de um banqueiro, só agora, desconfia-se que a incorporação da banca no grupo dos pagadores das suas próprias responsabilidades fez despoletar esta ideia de justiça para todos os “grandes”. Mesmo assim, não deixa de ser justa…
O problema das PPP, que tanta tinta tem feito correr, quer pela responsabilização dos governos contratantes, quer pelos enormes montantes, quer pelas exageradas garantias para os contratados, quer pela inépcia deste governo na renegociação ou denúncia dos respetivos contratos, de modo a repor-se o equilíbrio entre os investidores e os pagadores, surge agora, “inocentemente”, porque o proponente, como muita gente, sabe que o governo “tem uma pedra no sapato”, ou mais bem dito, tem um membro no governo, responsável por estas negociações, que antes de ser governo foi o negociador, do outro lado, com o governo anterior, o que pode traduzir-se num handicap para o seu subconsciente e poder funcionar como travão…
Estranho é que sobre as swaps, um dos intervenientes nas negociatas e proposto para o governo tenha dado origem a uma repulsa moralista e sobre este caso nunca se tenha levantado qualquer óbice…
Sem por em causa a honestidade profissional do Secretário das Obras Públicas, seria de todo aconselhável que o assunto mudasse de mãos, para ninguém pensar que há incompatibilidades, que o próprio Código do Procedimento Administrativo prevê.
Já é chavão, mas “em política é preciso parecer-se sério”…
Mas o fulcro da questão é só, os “ricos que paguem a crise”, não por qualquer razão político-ideológica, mas porque foram eles que a geraram e lhes pertence…
Esperemos que o governo tenha lido a sugestão e entendido o que nós entendemos…
Sérgio Monteiro, que tem a pasta das Obras Públicas, trabalhou com o consórcio Elos na coordenação do financiamento ao contrato de construção do troço de alta velocidade (TGV) Poceirão/Caia. Agora, enquanto governante, vai ter um papel-chave no processo de reavaliação deste investimento e na eventual renegociação do contrato adjudicado ao consórcio para o qual já trabalhou.
A Caixa BI, em conjunto com o BESI, são as duas entidades coordenadoras do financiamento do consórcio Elos, que ganhou esta obra, avaliada em 1.500 milhões de euros. Nessa qualidade são ainda accionistas do agrupamento constituído para este projecto.
Sérgio Monteiro foi nomeado administrador da Caixa BI em Maio deste ano (2011) , tendo até então sido responsável pela área de project finance. Nesta qualidade passaram pelas suas mãos quase todos as parcerias público-privadas (PPP) contratualizadas em Portugal nos últimos anos, já que o banco de investimento da Caixa tem sido a instituição nacional mais activa no financiamento às PPP.
Sobretudo desde que, a partir de 2008, os bancos internacionais começaram a fechar a porta aos projectos nacionais, a Caixa BI participou no financiamento dos consórcios privados em pelo menos 7 concessões rodoviárias que foram adjudicadas pelo anterior governo.
Numa biografia de Sérgio Monteiro, no quadro de uma conferência sobre PPP realizada em 2008, é referida a sua coordenação dos projectos da Auto-Estradas Douro Litoral e Auto-Estradas do Marão. A CaixaBI é igualmente financiadora das concessões rodoviárias Baixo Tejo, Baixo Alentejo, Algarve Litoral Douro Interior e Litoral Oeste.
No início de 2010, pouco depois de o Tribunal de Contas ter recusado dar visto a estas concessões já depois de adjudicadas, Sérgio Monteiro disse num seminário sobre PPP da revista "Project Finance" que o chumbo era "uma nuvem" que tem de desaparecer para o sol voltar.
A experiência do novo secretário de Estado nestas matérias valeu-lhe a indicação para participar no grupo de trabalho para reavaliação das PPP, criadas pelo PS e pelo PSD, mas que não chegou contudo a apresentar conclusões. Curiosamente, o nome de Sérgio Monteiro, que hoje faz parte de um governo PSD/CDS, foi proposto pelo governo de José Sócrates.
Com este currículo, o secretário de Estado das Obras Públicas estará especialmente à vontade, pelo menos do ponto de vista técnico, para reavaliar todos os contratos de PPP e eventuais pedidos de indemnização do consórcio. Só que agora está do outro lado. Até Agosto, o governo tem de concluir uma primeira avaliação às 20 maiores PPP, entre as quais se incluem a Estradas de Portugal, o TGV e todas as concessões rodoviárias.
Só em construção e em concurso estão 12 PPP que representam um investimento global de 6.500 milhões de euros. Neste bolo, o maior peso pertence às 9 concessões rodoviárias que mobilizam um investimento de mais de 4.000 milhões de euros. Em valor seguem-se o troço Poceirão/Caia do TGV e 3 hospitais em concurso.
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