Gosto desta ministra das Finanças! Não a conheço pessoalmente, mas hoje apetecia-me seguir Nicolau Santos e escrever-lhe um verso. Só que não há poesia neste Orçamento do Estado.
Sérgio Figueiredo
Mesmo que as metáforas de Fernando Sobral descubram na sua autora um sorriso à Gioconda, falta arte num País que ficou incapaz de desenhar seu próprio destino.
É verdade que podia refugiar-me na prosa impressiva de Pedro, o nosso guerreiro - mas como escapar aos números?! Que são implacáveis e estão-nos a deixar sem palavras.
Também gostava de acreditar nas conversas que se ouvem sobre este ciclo - só que isto é para a vida. Cortar salários e pensões não é toda a verdade. Muito menos parte da solução.
Esta Nação foi sempre feita a partir do Estado. É essa a fatura que estamos agora a pagar. É essa mudança inédita e radical que estamos a viver.
A perplexidade não começou agora com o Orçamento de 2014, mas o Estado a esvair-se, sim, isso é inédito, isso é doravante indisfarçável, porque a carga fiscal já não aguenta mais.
O Estado desfaz-se, mas a Nação não está a ser preparada. Tal como não foi na década de 80, era primeiro-ministro o atual inquilino do palácio cor-de-rosa em Belém, quando o País abraçava de corpo e alma o liberalismo do laisser faire europeu e a sociedade portuguesa não foi preparada para enrijecer.
Os cortes magoam, mas o que revolta é a omissão. Ninguém avisa que este violento ataque à despesa não é suficiente para que, no fim do próximo ano, o Estado gaste finalmente menos do que arrecada.
É um feito da ministra Albuquerque. Não faz é história. Porque Portugal precisa de 20 anos de saldos orçamentais primários consecutivos e crescentes, que estas medidas evidentemente não garantem, mas que se tornam indispensáveis para não cairmos na situação de país insolvente.
Também é evidente que, com economia e emprego, a coisa fica menos dolorosa. Até ao fim desta década, precisamos de um PIB a crescer entre 2% e 3%, o mínimo para inverter a tendência da espiral de endividamento.
O “crescimento natural” da economia português é negativo desde 2010 (algo inédito desde a década de 60) e recuperar uma taxa potencial de crescimento económico de 3% implica reconstruir aquilo que há mais de 15 anos se perdeu.
Martin Wolf não escreve poemas e a sua prosa é concisa e clara: “Portugal não tem qualquer grau de liberdade”, veio cá dizer-nos em julho.
Paulo Portas não ouviu porque estava então a preparar o “harakiri” do Governo. Confundiu “não ter liberdade” com “ficar preso” e, na vez da irrevogável reforma do Estado com que se comprometeu, preferiu declarar o fim da austeridade.
Declarar o fim da austeridade não é fuga para a frente. Nem é descaramento e despudor.
É a confirmação de que o absurdo não acabou nos chifres simulados em 2 dedos espetados na testa de um ministro que, também ele, já antes anunciara o fim da crise.
Qual crise? Qual fim? E que princípios? Terá de ser assim? Sempre que começa a verdade acabam os ministros?
Este Orçamento prepara o fim do Programa de Ajustamento, mas quem explica que o ajustamento mal começou?!
Estamos ao nível do gesto que tramou Pinho e do “minuto José Gomes Ferreira”, que pode perfeitamente proclamar que “o povo anda a ser encornado por estes senhores”.
O Governo ensaia a celebração da saída da troika e as oposições ignoram que nos mantemos barricados. Quem não pode pedir emprestado tem de ter a austeridade. Quem tem um constrangimento orçamental tem de viver com ele.
Esta é a nossa trincheira, a que Maria Albuquerque chama o seu Orçamento. A sustentabilidade da dívida, as medidas para regressar aos mercados, os cortes ficam e o FMI sai. A fraca agenda que nos fica, desta troika que passa.
Este Orçamento é o último do resgate, se for este o último dos orçamentos - afinal, o Tribunal Constitucional é o único tribunal que funciona em Portugal.
E haverá sempre um Camilo Lourenço, órfão de Gaspar e descendente de Júlio César, que arruma definitivamente a questão: “Há nos confins da Ibéria um povo que não se governa nem se deixa governar.”
Para quem ler devagar a opinião deste articulista verá que o que parece à primeira vista, não o é, antes pelo contrário e veremos uma defesa da austeridade, em cima de quem a tem suportado, injustamente, enquanto a banca e as grandes empresas (como a EDP) tem gozado com o pagode…
E o que é simuladamente abordado na notícia acima é desmontado descaradamente no artigo abaixo, denunciando o “erro” dos alvos escolhidos, numa perspetiva quase apolíica e apenas contabilística…
Devia ser o contrário, para quem conhecer ambos os opinadores, mas como nos dias de hoje anda quase tudo invertido…
Leiam ambos e tirem conclusões…
Com consumidores depauperados e empresas descapitalizadas, o crescimento é impossível.
Paulo Morais
Sem qualquer ponta de sensibilidade, a ministra das finanças apresentou um orçamento do estado para 2014 (OE) cruel, injusto e até anti-económico.
É cruel. Prevendo cortes salariais a quem ganhe pouco mais de 600 euros por mês, condena as pessoas à fome e agrava a sua situação de miséria. É iníquo, pois reduz os recursos aos idosos, a portugueses com mais de 80 ou até 90 anos, revelando uma absoluta ingratidão face às gerações que nos precederam na construção do país.
A Lei do OE é, além do mais, injusta: fustiga os trabalhadores com mais impostos, reduz salários e pensões, ao mesmo tempo que garante um acréscimo colossal em pagamentos aos concessionários das parcerias público-privadas. É ainda através deste documento que o estado premeia o setor financeiro, priorizando o pagamento de juros da dívida pública, que orçam em muitos milhares de milhões. Acresce ainda que este OE manterá as escandalosas isenções fiscais a detentores de fundos de investimento imobiliário fechados. Ou seja, o OE apela ao pagamento da crise a todos, exceto àqueles que mais para ela contribuíram: banca e especuladores imobiliários.
Por último, o OE é recessivo. Em primeiro lugar, porque transmite o sinal de que tudo é alterável, à exceção da intocável dívida pública. Incentiva a Banca a especular com títulos da dívida, como vem acontecendo, em detrimento do financiamento da atividade económica. Até os empréstimos internacionais destinados à recapitalização da Banca estão a ser desviados para a especulação. Mas também a redução salarial generalizada tem efeitos perversos. Uma poupança forçada de caráter geral é negativa, porquanto implica menor consumo, consequente escassez de recursos nas empresas, maior desemprego. Com consumidores depauperados e empresas descapitalizadas, o crescimento económico é impossível.
A ministra Maria Luís Albuquerque fez um longo discurso aquando da apresentação do OE. Mas poderia ter resumido assim: "Portugueses, temos de gastar mais dinheiro em juros e parcerias público-privadas em 2014. Por isso, temos de baixar os salários da função pública, reduzir pensões e reformas, limitar o crédito à atividade económica e aumentar os impostos a todos. Aguentem!".
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