Que país da Eurozona está mais endividado? Os gregos esbanjadores, com as suas generosas pensões estatais? Os cipriotas e os seus bancos cheios de dinheiro sujo russo? Os espanhóis tocados pela recessão ou os irlandeses em falência? Pois curiosamente são os holandeses sóbrios e responsáveis.
Matthew Lynn
A Holanda é um dos países mais endividados do mundo. Está mergulhada numa recessão e demonstra poucos sinais de sair dela. A crise do euro vai-se arrastando há 3 anos e até agora só tinha infetado os países periféricos da moeda única. A Holanda, no entanto, é um membro central tanto da UE como do euro. Se não pode sobreviver na Eurozona, tudo estará acabado.
O país foi sempre um dos mais prósperos e estáveis da Europa, além de um dos maiores defensores da UE. Foi membro fundador da união e um dos partidários mais entusiastas do lançamento da moeda única. Com uma economia rica, orientada para as exportações e um grande número de multinacionais de sucesso, supunha-se que tinha tudo a ganhar com a criação da economia única que nasceria com a introdução satisfatória do euro. Em vez disso, começou a interpretar um guião tristemente conhecido. Está a estourar do mesmo modo que a Irlanda, a Grécia e Portugal, salvo que um rastilho um pouco mais comprido.
Bolha imobiliária
As baixas taxas de juros, que antes de mais obedecem aos interesses da economia alemã, e muito capital barato criaram uma bolha imobiliária e a explosão da dívida. Desde o lançamento da moeda única até ao pico do mercado, o preço da moradia na Holanda duplicou, convertendo-a num dos mercados mais sobreaquecidos do mundo. Agora explodiu estrondosamente. Os preços da moradia caem com a mesma velocidade que na Flórida quando o auge imobiliário americano murchou.
Atualmente, os preços são 16,6% mais baixos que no ponto mais alto da bolha de 2008, e a associação nacional de agentes imobiliários prevê outra queda de 7% este ano. A não ser que tenha comprado a sua casa no século passado, agora valerá menos do que pagou e inclusive menos ainda do que pediu emprestado por ela.
Por tudo isso, os holandeses afundam-se num mar de dívidas. A dívida das famílias está acima dos 250%, é ainda maior que a da Irlanda, e 2,5 vezes o nível da da Grécia. O governo já teve de resgatar um banco e, com os preços das casas em queda contínua, o mais provável é que o sigam muitos mais. Os bancos holandeses têm 650.000 milhões de euros pendentes num sector imobiliário que perde valor a toda a velocidade. Se há um dado demonstrado sobre os mercados financeiros é que quando os mercados imobiliários se afundam, o sistema financeiro não se faz esperar.
Profunda recessão
As agências de rating (que não costumam ser as primeiras a estar a par dos últimos acontecimentos) já começam a dar conta. Em fevereiro, a Fitch baixou a qualificação estável da dívida holandesa, que continua com o seu triplo A, ainda que só por um fio. A agência culpou a queda dos preços das casas, o aumento da dívida estatal e a estabilidade do sistema bancário (a mesma mistura tóxica de outros países da Eurozona afetados pela crise).
A economia afundou-se na recessão. O desemprego aumenta e atinge máximos de há duas décadas. O total de desempregados duplicou em só 2 anos, e em março passou de 7,7% para 8,1% (uma taxa de aumento ainda mais rápida que a do Chipre). O FMI prevê que a economia vai encolher 0,5% em 2013, mas os prognósticos têm o mau costume de ser otimistas. O Governo não cumpre os seus défices orçamentais, apesar de ter imposto medidas severas de austeridade em outubro. Como outros países da Eurozona, a Holanda parece fechada num círculo vicioso de desemprego em aumento e rendimentos fiscais em queda, o que conduz a ainda mais austeridade e a mais cortes e perda de emprego. Quando um país entra nesse comboio, custa muito a sair dele (sobretudo dentro das fronteiras do euro).
Até agora, a Holanda tinha sido o grande aliado da Alemanha na imposição da austeridade por todo o continente como resposta aos problemas da moeda. Agora que a recessão se agrava, o apoio holandês a uma receita sem fim de cortes e recessão (e inclusive ao euro) começará a esfumar-se.
Os demais colapsos da Eurozona ocorreram sempre na periferia da divisa. Eram países marginais e os seus problemas apresentavam-se como acidentes, não como prova de falhas sistémicas da forma como que se montou a moeda. Os gregos gastavam demasiado. Os irlandeses deixaram que o seu mercado imobiliário se descontrolasse. Os italianos sempre tiveram demasiada dívida começar. Para os holandeses não há nenhuma desculpa: eles obedeceram a todas as regras.
Desde o princípio ficou claro que a crise do euro chegaria à sua fase terminal quando atingisse o centro. Muitos analistas supunham que seria a França e, ainda que França não esteja exatamente isenta de problemas (o desemprego cresce e o governo faz o que pode, retirando competitividade à economia), não deixa de continuar a ser um país rico. As suas dívidas serão altas mas não estão fora de controlo nem começaram a ameaçar a estabilidade do sistema bancário. A Holanda está a chegar a esse ponto.
Talvez se tenha de esperar mais 1 ano, talvez 2, mas a queda ganha ritmo e o sistema financeiro perde estabilidade a cada dia. A Holanda será o primeiro país central a estourar e isso significará crise demais para o euro.
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