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quarta-feira, 15 de maio de 2013

A recessão de muitos é que é a solução de outro(s)…

A evidência é concludente: o cocktail de medicamentos imposto pela Alemanha desde 2010, com o objetivo de enfrentar a crise, não cura. Pelo contrário, agrava a doença. A Espanha é, neste momento, o exemplo mais óbvio desta falha.
Este cocktail, ou mix de política, consiste no seguinte: austeridade compulsiva da despesa pública, política monetária restritiva, valorização do euro, desvalorização interna de salários e reformas.
Este cocktail não consegue reduzir o défice ao ritmo que se queria e faz aumentar a dívida pública. Este resultado não nos deveria surpreender. A história oferece-nos exemplos de países sobre endividados que utilizaram esse mesmo cocktail e falhou. A teoria económica explica porquê. Tem a ver com o que se chama de multiplicador fiscal: o benefício que se espera obter com a redução da despesa pública fica anulado pela queda mais do que proporcional das receitas públicas que produz a recessão económica provocada pela redução da despesa.
A evidência do seu fracasso é tal que até aqueles que inicialmente deram apoio a este cocktail já o retiraram. Além disso, hipóteses como a de que a dívida pública impede o crescimento estão agora invertidas: a falta de crescimento é o que faz aumentar a dívida.
Se esse cocktail funciona, existe uma alternativa?
Há. É o que estão a provar os Estados Unidos, o Reino Unido e o Japão. Estes 3 países estão a experimentar um novo mix: injeção maciça de dinheiro através de medidas não convencionais, novos canais de crédito às PMEs e às famílias, uma política de despesa pública, que saiba aproveitar produtivamente essa maior liquidez monetária e desvalorização das suas moedas para exportar mais. Em termos médicos, primeiro tentam parar a hemorragia e fazer ma transfusão para recuperar os sinais vitais da economia e do emprego, e depois uma cirurgia de reformas para melhorar a sua competitividade. Por esta ordem. O contrário do que se está a fazer União Europeia.
Esta política macroeconómica alternativa tem riscos: pode provocar uma guerra de divisas, incentivar novas bolhas se não se aproveita bem a nova liquidez ou inflação descontrolada. Mas, entre optar por um mal certo ou um risco possível, escolheram o segundo. Económica e moralmente é uma decisão acertada.
Os governadores dos bancos centrais desses 3 países, o que estão a dizer com essa nova política é que estão dispostos a "fazer tudo que é imprescindível, durante o tempo necessário para salvar as suas economias e os seus cidadãos." Mas, por agora, o governador do BCE tudo o que disse é que "fará tudo que for necessário para salvar o euro". Mas salvar o euro não é sinónimo de salvar as economias europeias e os seus cidadãos.
À vista do fracasso do cocktail europeu e dessa alternativa, a pergunta que muitos se fazem é se veremos uma mudança de abordagem.
A flexibilização do período de tempo que a UE concedeu à Espanha para cumprir as metas de redução do défice parece sugerir que algo está a mudar. Mas eu acho que é uma miragem.
Ouvindo o comissário europeu de economia, o finlandês Olli Rehn, o ministro alemão Wolfgang Shaüble na sua reunião de Granada com o ministro Luis de Guindos ou a chanceler Angela Merkel, depois da reunião com o novo primeiro-ministro italiano Enrico Letta, não vislumbro qualquer vontade de mudança.
Qual é a causa desse desprezo numa política macroeconómica de inspiração alemã que torna as coisas piores? Existem duas hipóteses.
A primeira tem a ver com o pensamento económico que inspira os dirigentes alemães. Ele mostra a influência da escola austríaca de Frederick von Hayek. Nos anos 30, diante de uma crise financeira e económica como a atual, Hayek argumentou que o excesso de liquidez dos bancos centrais foi o que fomentou o sobre-endividamento das famílias e o sobre-investimento especulativo. A sua recomendação foi a política liquidacionista, deixando cair a economia e o emprego até que a austeridade e a poupança limpassem os excessos anteriores e saneassem a economia.
Da Inglaterra, John Maynard Keynes, coincidindo com Hayek no problema de sobre-endividamento, defendeu que as causas estavam na desigualdade. Opôs-se à solução liquidacionista, tanto pelos seus efeitos económicos como democráticos, derivados do auge do populismo político causado pelo desemprego prolongado. E recomendou a intervenção pública para parar a hemorragia do emprego.
Hoje, o debate está em termos semelhantes. O risco é que voltem os fantasmas dos anos 30.
A segunda hipótese é de natureza política. A nova geração de dirigentes alemães que chegou depois de Helmut Kohl desenterrou a velha questão alemã. Especialmente desde o século XIX, essa questão tem consistido em como conter um país dominante localizado na Europa central. A solução, depois de duas guerras mundiais, foi a União Europeia. Com ela procurou construir uma nova Alemanha Europeia.
Mas, de forma inesperada, a crise financeira na eurozona foi aproveitada pela nova geração de líderes alemães para tratar de construir uma Europa alemã, aproveitando-se de o euro ainda não é a moeda uma união política e que não tem por trás um verdadeiro banco central com funções de emprestador de última instância, como são os outros bancos centrais dos três países mencionados, a Alemanha impôs o seu pensamento liquidacionista em benefício próprio.
Esta é a razão por que a Alemanha não é a solução, mas parte da crise europeia. Ou nos desprendemos da síndrome de Berlim, que nos domina e falamos abertamente e sem tópicos, buscando uma solução adequada aos interesses gerais europeus, ou a crise europeia não terá saída fácil.

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