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sexta-feira, 24 de maio de 2013

Joan Robinson: “Estudo economia diariamente, para nunca ser enganada por nenhum economista.”

Quando há muita coisa em jogo, não é de admirar que os adversários políticos utilizem todo o apoio que possam obter de economistas e outros investigadores. Foi o que aconteceu quando os políticos conservadores norte-americanos e os responsáveis da União Europeia se basearam no trabalho de 2 professores de Harvard - Carmen Reinhart e Kenneth Rogoff - para justificar o facto de apoiarem a austeridade orçamental.
Reinhart e Rogoff publicaram um documento que parecia demonstrar que se os níveis de dívida pública fossem superiores a 90% do PIB, constituiriam um entrave significativo ao crescimento económico. Seguidamente, 3 economistas da Universidade de Massachusetts, em Amherst, fizeram o que os académicos devem habitualmente fazer - replicaram o trabalho dos seus colegas e submeteram-no à crítica.
A par de um erro relativamente pequeno de folha de cálculo, identificaram algumas escolhas metodológicas no trabalho original de Reinhart/Rogoff que colocaram em questão a firmeza dos seus resultados. Mais importante, mesmo que os níveis da dívida e de crescimento se mantivessem negativamente relacionados, a evidência de um limite de 90% revelou-se bastante fraca. E, na opinião de muitos, a própria relação poderia ser o resultado de um crescimento reduzido que conduziu a um maior nível de endividamento, ao invés do contrário.
Reinhart e Rogoff contestaram firmemente as afirmações de muitos comentadores que os acusaram de participar voluntariamente, ou mesmo deliberadamente num jogo de embuste político. Defenderam os seus métodos empíricos e insistem que a descrição que os críticos fazem a seu respeito - "falcões do défice" - não corresponde à realidade.
A consequente controvérsia prejudicou um processo salutar de análise e de aperfeiçoamento em termos de investigação económica. Reinhart e Rogoff rapidamente reconheceram o erro de Excel que tinham cometido. As diferentes análises clarificaram a natureza dos dados, as suas limitações e a diferença que os métodos alternativos de processamento originaram nos resultados. Em última análise, a posição de Reinhart e Rogoff não estava assim tão distante da dos seus críticos, quer no que respeita às evidências, quer a nível das implicações políticas.
Deste modo, o ponto positivo desta discórdia é o facto de se ter provado que a economia pode progredir de acordo com as regras da ciência. Por mais divergentes que pudessem ser as suas opiniões políticas, ambas as partes partilhavam uma linguagem comum sobre o que constitui evidência e - na maioria das vezes - adoptavam uma abordagem comum na resolução das divergências.
O problema é outro; reside no modo como os economistas e as suas investigações são utilizados no debate público. O caso Reinhart/Rogoff não foi apenas uma trivialidade académica. Tendo em conta que o limite de 90% se converteu num argumento da política, a sua posterior refutação adquiriu igualmente um significado político mais amplo. Apesar dos protestos de Reinhart e Rogoff, ambos foram acusados ​​de dar cobertura académica a um conjunto de políticas cujas evidências para a sua sustentação eram, na verdade, limitadas. Uma conclusão evidente é que precisamos de melhores regras em termos de procedimento entre os investigadores da área de economia e os decisores políticos.
A solução não passa por uma tentativa por parte dos economistas de anteciparem a forma como as suas ideias serão usadas ou abusadas em debate público e matizarem as suas declarações públicas nesse sentido. Por exemplo, Reinhart e Rogoff podiam ter desvalorizado as suas conclusões - tal como estavam – para evitar que fossem utilizadas pelos falcões do défice. Mas poucos economistas têm sensibilidade suficiente para ter uma ideia clara da forma como as políticas se irão desenvolver.
Além disso, quando os economistas ajustam a sua mensagem de acordo com o público, o resultado é o oposto do que se pretende: rapidamente perdem credibilidade.
Veja-se o que acontece a nível do comércio internacional, onde estes ajustes em termos de investigação constituem uma prática comum. Com receio de fortalecer os "proteccionistas bárbaros", os economistas da área do comércio tendem a exagerar os benefícios do comércio e a minimizar os seus custos distributivos e de outra ordem. Na prática, esta situação conduz frequentemente a que os seus argumentos sejam apropriados por grupos de interesse opostos - empresas globais que procuram manipular as regras comerciais em proveito próprio. Consequentemente, no que diz respeito ao debate público sobre a globalização, os economistas raramente são considerados como intervenientes idóneos.
Mas os economistas devem equilibrar a honestidade dos resultados da sua investigação com a honestidade da natureza provisória daquilo que realmente é válido como evidência na sua profissão. Ao contrário das ciências naturais, a economia raramente produz resultados claros e inequívocos Em primeiro lugar, todo o raciocínio económico é contextual, sendo tantas as conclusões quantas as potenciais circunstâncias do mundo real. Todas as proposições económicas são afirmações de "premissa-conclusão". Por conseguinte, procurar a solução que funciona melhor num determinado contexto é uma arte e não uma ciência.
Em segundo lugar, as evidências empíricas raramente são fiáveis a ponto de pôr termo a uma controvérsia caracterizada por opiniões profundamente divididas. É claro que isto é particularmente verdade no que se refere à macroeconomia, onde existem poucos dados e os que existem estão sujeitos a diversas interpretações.
Contudo, mesmo na microeconomia, onde, por vezes, é possível obter estimativas empíricas precisas utilizando técnicas de randomização, os resultados devem ser extrapolados de forma a poderem ser aplicados em outros contextos. As novas evidências económicas servirão, na melhor das hipóteses, para – pouco a pouco - estimular os pontos de vista daqueles que têm abertura de espírito.
De acordo com a frase memorável do economista-chefe do Banco Mundial, Kaushik Basu, "Uma coisa que os especialistas sabem e que os não-especialistas ignoram, é que a extensão do seu conhecimento é mais limitada do que os não-especialistas pensam." As implicações vão além de não sobrevalorizar o resultado de uma determinada investigação. A autoridade e precisão que os jornalistas, os políticos e o público em geral têm tendência para atribuir ao que é dito pelos economistas é superior àquela que os próprios economistas deveriam realmente aceitar. Infelizmente, os economistas raramente são humildes, especialmente em público.
Existe ainda outro pormenor relativamente aos economistas que o público deveria conhecer: a progressão na carreira dos economistas académicos é feita por meio da astúcia e não da sabedoria. Actualmente, os professores das melhores universidades distinguem-se, não por estarem certos a respeito do mundo real, mas por criarem deturpações teóricas fantasiosas ou por desenvolverem novas evidências. Se estas competências os tornarem igualmente em observadores perspicazes das sociedades reais e lhes propiciarem uma sólida capacidade de discernimento, não será certamente resultado de uma intenção nesse sentido.
Dani Rodrik - Professor de Economia Política Internacional na Kennedy School of Government da Universidade de Harvard e um dos principais estudiosos da globalização e do desenvolvimento económico. O seu livro mais recente é The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy (O Paradoxo da Globalização e o Futuro da Economia Mundial).

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