A UE está a levar a sério a luta contra os paraísos fiscais, conforme prova a cimeira que se realizou em 22 de maio com esse objetivo. Mas a limpeza deve começar pela própria casa, onde territórios como Jersey prosperaram, tirando partido da tradicional ambiguidade política. Excertos.
As autoridades deste território semi-independente estão envolvidas numa polémica que nada tem a ver com o passado. Sabem que o seu sistema económico – assente em impostos muito baixos ou inexistentes – suscita cada vez mais suspeitas dos governos e, sobretudo, dos cidadãos de outros países, aos quais, todos os dias, são exigidos cada vez mais sacrifícios, enquanto alguns se livram de ajudar a economia, graças a territórios como este.
“Não somos um casino, mas um centro que recolhe investimentos e os injeta noutros locais. É justamente disso que a Europa precisa. Somos parte da solução e não o problema”, garante o ministro das Finanças, Philip Ozouf. “Este Governo sempre cumpriu as regras internacionais e continuará a cumpri-las”, insistiu, esta semana, o primeiro-ministro, Ian Gorst.
Face aos argumentos do Governo de Jersey e do lóbi financeiro, os ativistas da organização Tax Justice Network qualificam esta minúscula ilha – que tem menos de 100.000 habitantes e acumula depósitos bancários superiores a €140.000 milhões – como o 7.º maior paraíso fiscal do mundo, na lista que esta organização elabora sobre sigilo financeiro. “Apesar de, formalmente, Jersey não ter sigilo bancário, como a Suíça ou as Bahamas, o sigilo é conseguido por outras vias: fundos, empresas deslocalizadas e, desde 2009, fundações”, garante esta ONG, que defende a transparência no sistema financeiro internacional.
Hemorragia de capitais
“A OCDE não nos inclui na sua lista de paraísos fiscais”, repetem as autoridades de Jersey. “Nessa lista, só figuram 2 ilhas minúsculas do Pacífico, Nauru e Niue. Se esse critério fosse válido, não haveria paraísos fiscais no mundo”, replica Mike Lewis, assessor da organização Action Aid. “Todos os paraísos fiscais dizem o mesmo. Só usam as listas da OCDE para tentarem provar que estão limpos”, acrescenta o escritor e jornalista Nicholas Shaxson.
Mas os problemas de Jersey não resultam apenas da pressão das organizações não governamentais nem da mobilização da sociedade civil. Os governos também parecem decididos a travar uma hemorragia de capitais que escapa ao seu controlo.
“A mensagem é simples. Iremos atrás de quem esconde o seu dinheiro”, disse, na semana passada, o ministro das Finanças britânico, George Osborne, depois de o Reino Unido ter detetado 100 casos graves de evasão fiscal, na sequência de uma investigação conjunta com os Estados Unidos e com a Austrália, realizada em Singapura e nas Ilhas Virgens Britânicas, nas ilhas Caimão e nas ilhas Cook. Foi este impulso renovado de realizar cobranças que levou Jersey a aceitar o intercâmbio automático de informação bancária com Londres e Washington.
Organizações como a Tax Justice exigem que, para poder ser levada a sério, esta medida seja alargada a todos os países da UE. Jersey contrapõe que dará esse passo, quando os 27 se comprometerem também a fazê-lo.
Reino Unido controla 1 em 5 paraísos fiscais
O representante do setor financeiro, Geoff Cook, admite ter reservas quanto a esta nova onda de regulamentação. “Queremos ser bons vizinhos e cooperar com o que outros governos decidirem. Mas existe o risco de, se se difundir a ideia de que nós, europeus, vamos divulgar toda a informação sobre os nossos clientes, estes preferirem transferir o seu dinheiro para outros territórios. O intercâmbio de informação está muito bem, se todos o praticarem”, garante este britânico que, como conselheiro delegado da Jersey Finance, representa os interesses de um setor que absorve 40% da economia.
O ministro Ozouf mostra-se muito amável com o jornalista que se deslocou ao seu país. Mas uma pergunta congela o seu sorriso. O próprio Governo britânico estima que um acordo de intercâmbio automático de informação com as 3 dependências da Coroa renderia aos cofres públicos cerca de 1.000 milhões de libras (€1.185 milhões). Não estará o Reino Unido a admitir, assim, que vocês são um paraíso fiscal? “Esses números não são nossos e não os reconhecemos. Mas, mesmo partindo do princípio de que estão certos, esse montante equivaleria ao que pagariam, no total, Jersey, Guernsey e Man, ao longo dos próximos 5 anos”, responde o ministro.
Apesar deste novo papel de irmão mais velho, que obriga os pequenos a seguir as regras, o Reino Unido tem primado, até agora, por uma indefinição que permitia que as suas antigas colónias, os territórios ultramarinos e as Dependências da Coroa agissem como entendessem. O Reino Unido controla 1 em cada 5 paraísos fiscais existentes no mundo e muitos críticos consideram que poderia ter feito muito mais.
Oportunidade perdida?
No seu bestseller Treasure Islands (Ilhas do Tesouro) – que se transformou na bíblia do movimento contra os paraísos fiscais –, Nicholas Shaxson define Jersey como uma combinação de “finanças deslocalizadas futuristas, com um sistema político medieval”.
A estrutura política de Jersey é muito particular, mas o seu sistema tributário não lhe fica atrás. Os legisladores não gostam de complicações mas, em contrapartida, adoram os números redondos: 0% de impostos para as empresas não financeiras; 10% para as financeiras e 20% diretos de imposto sobre os rendimentos, independentemente do valor desses rendimentos.
A aposta é alta. Organizações como a Tax Justice estabeleceram um triplo objetivo: saber quais os particulares, empresas, fundos e fundações que depositam dinheiro nos paraísos fiscais; acordos de intercâmbio de informação entre todos os governos e envolver os países em desenvolvimento, para que estes beneficiem destas melhorias.
Já foram dados alguns passos. Os Estados Unidos, o Reino Unido e a Austrália chegaram a acordo para esquadrinhar os capitais das empresas em paraísos fiscais de meio mundo. Na cimeira desta semana, os dirigentes europeus tratarão de conceber um quadro comum para combater a evasão fiscal. Se os gigantes da política agirem com decisão, os anões como Jersey serão obrigados a responder. Mas ninguém pode garantir que esta não vá ser uma oportunidade perdida. Mais uma.
Evasão fiscal - O Parlamento Europeu faz pressão
O Parlamento Europeu devia avançar com uma resolução, no dia 21 de maio, apelando aos Estados-membros para agir contra a evasão fiscal.
Os deputados europeus querem que “o montante fiscal não cobrado”, isto é, as perdas da UE devido à evasão fiscal, seja reduzido para metade até 2020, explica De Standaard. O diário belga, que recorda que a fraude e a evasão fiscal custam todos os anos um bilião de euros à União Europeia, ou seja 2.000 euros por europeu, realça que
os 27 chefes de Estado e de governo darão prioridade aos esforços para alargar a troca automática de informações tanto a nível europeu como mundial. Também esperam negociar o mais rapidamente possível com os paraísos fiscais que são a Suíça, o Principado do Liechtenstein, Mónaco, Andorra e São Marino para que tomem as mesmas medidas que a UE. Além disso, querem alargar, até ao final do ano, a diretiva que entrou em vigor em 2005 sobre a poupança dos particulares noutros Estados-membros a outras fontes de rendimentos como os fundos de investimento, as fundações e os trusts. A Áustria e o Luxemburgo ainda não estão totalmente convencidos, mas a pressão é tão forte que não passa de uma questão de tempo, revelam fontes europeias.
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