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terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Serão as guerras necessárias? Por que se combate?

A Europa, prémio Nobel da Paz, está na verdade em guerra há cerca de 15 anos – dos Balcãs à Líbia, passando pelo Afeganistão, e atualmente no Sahel. Um intervencionismo marcado pela ausência de uma visão a longo prazo e de debates sobre o seu objetivo no seio dos 27.
Na véspera das eleições italianas [fevereiro] e alemãs [setembro], o silêncio que reina sobre um assunto tão importante como a guerra é impressionante. Não se houve falar disso porque esses conflitos ocorrem noutro continente. No entanto, há muito que a guerra se entranha em nós até aos ossos.
E embora não seja travada pela União Europeia, desprovida de governação política comum, a guerra continua hoje em dia a fazer parte do seu quotidiano. Se juntarmos à luta eterna contra o terrorismo os conflitos que rebentaram nos Balcãs no final do século XX, concluímos que há cerca de 14 anos que os europeus participam periodicamente em intervenções armadas. No início, estas intervenções geravam debates amargos: serão as guerras necessárias? E se não for este o caso, por que combatemos? Serão verdadeiramente humanitárias, ou devastadoras? E que balanço podemos tirar da luta contra o terrorismo à escala mundial: terá este diminuído ou aumentado?
Os políticos não se pronunciam e nenhum país europeu coloca em causa uma União que não tem nada a dizer sobre o assunto, estando demasiado concentrada na sua moeda. A Europa, que entrou numa nova era de guerra neocolonial, avança às cegas.
Explicações falaciosas
A guerra – muitas vezes sangrenta mas raramente benéfica – nunca é designada pelo seu nome. Avança disfarçada: com ela conseguiremos estabilizar os países em falência, torná-los democráticos e, tudo isso, num curto espaço de tempo e sem grandes despesas. A que começou a 12 de janeiro no Mali é liderada pela França de François Hollande, com o fraco apoio de soldados africanos e a aprovação – retroativa – dos seus aliados europeus.
Não foi previamente discutida, violando assim o Tratado de Lisboa (art. 32, 347). Somos quase sempre projetados para a guerra. Até temos alguém – pomposamente batizado de “alto representante da União para os Negócios Estrangeiros” [Catherine Ashton]- para agradecer à França e a informar de que Paris terá de se desenrascar sozinha, “uma vez que não existe nenhuma força militar europeia”. Uma imagem que ilustra na perfeição a situação, é verdade, mas esperávamos um discurso ligeiramente diferente de alguém que ocupa um cargo tão importante.
Lê-se imensas coisas falsas sobre a guerra que não convidam a meditar sobre o acontecimento, mas a fazer um balanço passivo, e a considerar as intervenções como casos isolados, sem qualquer relação. A guerra promove também a aparição massiva de especialistas duvidosos e técnicos. O intervencionismo está a tornar-se um hábito europeu, inspirado nos americanos, mas nunca chegamos a ouvir a versão completa desta transformação, que relaciona os conflitos e permite esclarecer a situação global. Falta para isso uma visão global duradoura que defina o que somos na África, no Afeganistão, no Golfo Pérsico. Que compare a nossa ideia à dos outros países. Que analise a política chinesa na África, tão ativa e diferente da nossa: centrada no investimento, enquanto a nossa se foca no aspeto militar.
Uma visão global duradoura que permitiria estabelecer um balanço frio dos conflitos desprovidos de objetivos claros, de limites geográficos, de calendário – conflitos esses que promoveram o jihadismo em vez de o conter, passando a dominar a região do Saara e do Sahel após ter conquistado o Afeganistão. São conflitos que não tiraram lições dos erros passados, sistematicamente abafados. Os nobres epítetos não chegam para disfarçar os resultados catastróficos: as intervenções não promovem a ordem, mas o caos, não criam Estados fortes, mas Estados ainda mais defeituosos do que aquilo que eram. Após a intervenção, os países são deixados ao seu próprio destino, ficando um sentimento de profunda desilusão nos povos assistidos. E parte-se para novas frentes, como se a história das guerras fosse um safari turístico em busca de recompensas exóticas.
Caso de estudo
O Mali é um caso exemplar de guerra necessária e humanitária. No decorrer da última década, o adjetivo humanitário perdeu toda a sua inocência. Era necessário intervir para parar o genocídio ruandês em 1994, e só não agimos porque a ONU retirou as suas tropas no momento em que a exterminação começou. Em contrapartida, era necessário evitar o êxodo – para a Europa – dos kosovares perseguidos pelo exército sérvio. Mas estas guerras recorrentes não são necessárias, já que não travam o terrorismo nem são democráticas. Caso contrário, como poderíamos explicar a aliança com a Arábia Saudita e o montante das ajudas prestadas a Riad, mais generosas do que as destinadas a Israel? Além de não ser democrático, o reino saudita é um dos principais investidores do terrorismo.
A degradação da situação no Mali podia ter sido evitada se os europeus tivessem estudado o país: considerado durante muitos anos como um símbolo da democracia, o Mali caiu na pobreza e reavivou os problemas colocados por fronteiras coloniais artificiais. A luta pela independência dos tuaregues culminou a 6 de abril de 2012 com a independência do Azawad, no norte do país. Durante décadas, os tuaregues foram ignorados, menosprezados. Para lutar contra um independentismo inicialmente laico, tolerou-se a formação de milícias islamitas, repetindo desta forma o erro cometido no Afeganistão. Resultado: os tuaregues apoiaram-se no [líder líbio] Kadhafi e, mais tarde, nos islamitas: foram estes últimos que invadiram o norte do Mali, no início de 2012, acabando por recuperar e corromper a luta tuaregue.
Uma guerra nascida nas suas cinzas
Mas o erro mais grave é não encarar as guerras destas últimas décadas de um ponto de vista global. Uma operação levada a cabo num ponto preciso do globo tem repercussões noutro sítio: os fracassos afegãos originaram o caso da Líbia, enquanto o semifracasso da Líbia provocou a situação atual do Mali. O problema é que cada conflito começa sem qualquer análise crítica dos conflitos precedentes. Na Líbia, o triunfalismo durou anos, até ao assassinato do embaixador dos Estados Unidos, Christopher Stevens, a 11 de setembro de 2012 em Bengasi. Só depois de isto acontecer é que se percebeu que muitos membros da milícia de Kadhafi – tuaregues ou islamitas – se deslocaram para o Azawad. E que a guerra ainda não tinha acabado, e que estava a ganhar uma segunda vida no Mali.
Em 7 anos, o número de democracias na África caiu de 24 para 19. É um fracasso para a Europa e o Ocidente. Entretanto, a China, que observa e esfrega as mãos de contente, aumenta a sua presença no continente. Atualmente, o seu intervencionismo consiste em construir estradas, e não travar guerras. Trata-se claramente de colonialismo, mas de um género diferente. As suas forças são a resiliência e a paciência. Talvez seja por discutirem em Pequim o seu domínio sobre a África e a Ásia que a Europa e os Estados Unidos se mostram tão agressivos. É apenas uma hipótese, mas se a Europa começasse a discutir, mencionaria também este assunto, e não seria de todo inútil.

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