Ao seduzir todos os cidadãos desiludidos com a política clássica, o antigo comediante venceu a coligação de esquerda de Pieluigi Bersani, dada como favorita. Encontramo-nos agora perante um novo ator tanto incontornável como imprevisível.
O que é certo, nestas eleições, é que Beppe Grillo venceu por uma diferença considerável. As urnas produziram uma enorme revolta contra as elites. Pelo menos 1 em cada 4 eleitores votou na lista do comediante barbudo, que foi poucas vezes anunciado nos institutos de sondagem, também eles considerados como fazendo parte da elite. E não se pode reduzir tudo a uma questão de estômagos, apesar de estes estarem tanto revoltados como vazios. Esta atitude esconde sentimentos, não apenas ressentimentos. Também há a esperança de que os parlamentares do Movimento 5 Estrelas [o partido de Grillo] sejam diferentes, que em vez de encherem os bolsos passem a ouvi-los: os outros não o faziam.
É como se, a partir de milhares de secretárias, se tivesse ouvido o grito de milhares de almas solitárias conectadas entre elas por uma ligação de Internet. Uma emoção virtual que, com o tempo, se tornou uma manifestação de protesto que reúne indivíduos que se consideram incompreendidos e dominados por uma sombra surda de tantos centros de interesse: a classe dos políticos, jornalistas, banqueiros e favorecidos.
Bolsos cheios de vales de oferta
Cada membro da comunidade de Grillo tem uma história e um fracasso diferente: há o que perdeu ou nunca arranjou emprego, ou não tem confiança no futuro, no Estado e nos organismos intermediários, como os partidos e os sindicatos. Não odeiam a política, mas os que exercem nesta área há demasiado tempo, sem ter o mínimo de competência e autoridade moral.
Estas almas solitárias desoladas nunca receberam qualquer atenção, Grillo fez com que isso mudasse. Primeiro com um “vaffanculo” [“Vai-te lixar” – “fuck you”], depois, com uma série de propostas concretas e uma boa dose de utopia. Desenhou paisagens que cada um coloriu ao seu gosto.
Do ponto de vista da composição social, o seu movimento adapta-se a todas necessidades: em Turim, encontramos Os Alternativos que querem derrotar o capitalismo, em Bergamo estão os patrões das PME revoltados contra o fisco; em Palermo, estão os desesperados e alérgicos a qualquer forma de opressão pública ou privada. Para qualquer mal-estar, Grillo apresenta um formato e uma cara, a sua.
Os profissionais da política não souberam, ou talvez não puderam, oferecer uma alternativa. Bastava implementar algumas reformas a nível interno, nem que fosse apenas por dignidade: uns cortes nas despesas e no número de parlamentares, uma campanha eleitoral que não falasse apenas de montantes, mas também de questões relacionadas com o ambiente, a vida, o futuro. Pelo contrário, divulgaram montantes subjetivos, falaram de Angela Merkel e utilizaram metáforas incompreensíveis, perdendo-se no seu próprio universo.
Na Terra, só ficou um velho empresário, com os bolsos cheios de vales de oferta para o mundo dos sonhos, e um bobo que estudou tão bem o mecanismo de sedução de Berlusconi que conseguiu superá-lo. Grillo escolheu a linguagem do espetáculo, sendo esta a única que os italianos percebem, depois de 20 anos de vazio.
Um grupo de extraterrestres atentos
Mas decidiu utilizá-la para dizer coisas sérias, apoiando-se para tal na sua popularidade, na sua energia e até mesmo nos seus defeitos. A sua própria seleção de candidatos desconhecidos e pouco representativos revelou ser uma vantagem. Se, entre as diversas novas ofertas políticas, a única que teve sucesso foi a dele, foi porque – ao contrário do chefe do Governo cessante, o técnico Mario Monti e o antigo juiz Antonio Ingroia – não recorreu a pseudo-personalidades, tecnocratas frios nem figuras notórias do passado.
Grillo conta com todo o tipo de apoiantes: do sonhador pragmático à vítima crónica. Mas entre os diversos eleitores de última hora, subsistem, penso eu, dois pensamentos aparentemente opostos. Por um lado, o intenso desejo de derrubar o sistema, na esperança que uma nova classe de dirigentes nasça das ruínas das diferentes elites. Por outro, o pensamento racional que consiste em enviar para o parlamento um grupo de extraterrestres extremamente atentos a todos os detalhes, que poderiam vigiar de perto as conspirações do poder.
E agora? O movimento dos fidedignos controladores de gestão é de tal forma recente que continua a ser um mistério para as próprias pessoas que votaram nele. Grillo é o líder absoluto dessa equipa ou será apenas o árbitro, que garante o cumprimento das regras e decide quem deve ser expulso? Será que os parlamentares receberão ordens dele ou, como já o afirmaram todos em coro, apenas do povo da Internet, para o qual submeterão todas as propostas?
A única questão demasiado estúpida para ser colocada é saber se os eleitores do Movimento 5 Estrelas são de direita ou de esquerda. Grillo não roubou votos a outros partidos. Limitou-se a angariar os votos dos que foram abandonados. E para a próxima, serão provavelmente muito mais numerosos.
Um voto eurocético
“Uma votação inesperada, não há maioria”, constata o Corriere della Sera, no dia seguinte à votação que permitiu à coligação de esquerda vencer por maioria absoluta na Câmara dos Deputados, mas não no Senado, e afirmou a posição do Movimento 5 Estrelas do comediante Beppe Grillo. Para o editorialista Massimo Franco “foi a vitória de uma Itália eurocética, pelo menos em relação à política de rigor”:
Um 3.º partido conseguiu destacar-se, mas não foi o de Mario Monti: moderado, europeu, pró governamental. Foi pelo contrário o partido radical, contestatário e populista de Beppe Grillo, que obteve percentagens surpreendentes. Mas além do comediante, que conseguiu obter 1/4 dos votos, há outro vencedor: Silvio Berlusconi, que apostou na sua própria sobrevivência. E conseguiu, graças a uma série de listas de personalidades influentes que lhe permitiram obter a maioria relativa dos lugares no Senado e uma vitória quase esmagadora na Câmara dos Deputados. [...]
É como se a Itália tivesse interiorizado a ideia de suprimir a democracia e que recusava analisar as consequências internacionais da votação. Pior ainda: decidiu desafiá-las, mostrando-se hostil a uma austeridade avaliada não com base nos seus efeitos benéficos nas contas públicas, mas nos seus efeitos negativos no crescimento e no desemprego. Monti paga o preço elevado pelas suas escolhas controversas, a sua falta de popularidade e a sua inexperiência. Sem acordo estabelecido entre os partidos para instaurar certas reformas, a perspetiva de uma legislatura curta, ou até mesmo muito curta, tornou-se algo muito provável de acontecer. Sujeitando-se portanto a uma colocação sob tutela bem mais traumática do que a em vigor nos últimos meses.
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