A língua portuguesa foi ouvida com diferentes musicalidades na 4ª Mesa, dedicada ao tema “e eu já nada sei soprar sobre as palavras”, uma frase retirada do livro De Amore, de Armando Silva Carvalho. Manuel Rui, Manuel Jorge Marmelo, Helder Macedo, Carmen Dolores, Richard Zimler, Rubens Figueiredo e Michael Kegler, como moderador, são de gerações, nacionalidades e culturas distintas, mas há algo em comum: o livro e a palavra.
Michael Kegler começou por confessar-se feliz por “participar no Correntes d’Escritas há 10 anos e, finalmente, deram-me alguma coisa para fazer”. Sobre o tema da Mesa, o tradutor afirmou que “frases soltas são as mais difíceis de traduzir” e, em alemão, disse “e eu já nada sei soprar sobre as palavras”, tradução que não arriscaremos reproduzir neste texto.
Rubens Figueiredo explicou que “as coisas não são abstratas. Para tudo há sempre um contexto e o desta frase é o convite que me foi feito para estar presente aqui hoje. O verso estará sempre associado ao convite”. O escritor brasileiro contou episódios da sua vida com o pai, brasileiro, mas que viveu a infância em Mesão Frio. “Hoje, com 95 anos, continua a recordar as histórias vividas em Portugal, onde permaneceu até aos 13 anos”.
Richard Zimler abordou um tema que, mais tarde, o público não esqueceria e inquiriria os outros escritores. “Penso que todos os escritores do mundo estão a ser influenciados pelas necessidades editoriais para não escreverem certos livros, nos quais o enredo é complexo ou porque existem personagens estranhas. O drama é que esta situação está a afetar os jovens escritores. Mais tarde ou mais cedo estaremos a eliminar tudo o que é novo, estranho, complexo. Todos querem escrever sobre vampiros”. A este respeito, Helder Macedo contrapôs: “a má literatura é o estrume da boa literatura”.
Manuel Jorge Marmelo recordou antigas colegas, “as Martas, a Sofia, a Bárbara e o Nuno, que era loiro e as raparigas gostavam sempre mais dele”, revendo o “professor Orlando, escrevendo palavras a giz no quadro negro e depois apagando-as e soprando o pó branco que nele sobravam”.
Helder Macedo, sobre o verso que foi tema para esta Mesa, disse que “a voz é um instrumento de sopro” e contou episódios sobre a sua infância, “o tempo mais musical da minha vida, quando comecei a descobrir palavras”. Os primeiros anos foram passados na Zambézia e “tudo o que fazia parte desse meu mundo era perfeitamente mágico”.
“Com as palavras eu pude contar as mais maravilhosas histórias, viver os mais arrebatados sentimentos. Com as palavras, eu vivi amores impossíveis, frustrados e vingativos, mas também amores alcançados. Com as palavras cheguei ao ser mais distante e inatingível. Por isso, não me tirem as palavras. Que serei eu sem as palavras? Mesmo que um dia o fôlego me falte e a voz se torne menos límpida, as palavras estarão sempre lá, no livro que o escritor me deixou, o mais rico património de qualquer povo e que há-de resistir a todas as modas, a todos os progressos. Porque sentir nas mãos as páginas de um livro é viver para além da nossa própria vida”.
E porque nesta edição do Correntes d’Escritas se celebra a poesia, Carmen Dolores terminou a sua intervenção dizendo um poema de Eugénio de Andrade, forma como também terminamos este texto.
Ver claro
Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.
Nota – Falta o resumo da intervenção de Manuel Rui, que acrescentaremos logo que possível.
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