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segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O dinheiro falso da Banca Privada e a origem da crise

Ponto prévio – Não é norma minha publicar posts de outros blogues e por isso esta é a exceção à regra, que se deve ao facto de em 27 de outubro ter publicado um artigo de opinião “Outra versão da ladroagem, mas os mesmos ladrões!”, que falava pela primeira vez na emissão de dinheiro falso pelos bancos e na responsabilidade destes na criação das dívidas soberanas e no aumento das mesmas, com a “legitimidade” conivente da classe política, a nível mundial.
Este post traduzido, eventualmente, com imprecisões técnicas, põe preto no branco esse truque, denunciado num Relatório do FMI, que esclarece “oficialmente” as causas e os causadores da crise e desfaz alguns dogmas que nunca foram aflorados, nem discutidos...
Esperemos que os economistas que lerem o Relatório, tragam as suas conclusões para o debate público, para finalmente entendermos quem nos anda a atirar areia para os olhos e a sacar dinheiro dos nossos bolsos, impunemente…
A prova de que e sistema financeiro e o comportamento hegemónico da banca estão na génese da atual crise, começa a emergir com força sobre vários campos. E embora a criação de dinheiro do nada seja um tema nunca abordado nos manuais e textos de economia, o facto de que a banca privada tenha este poder começa a ser vista como a principal culpada e geradora dos ciclos de altos e baixos.
Nos livros de texto e nas explicações convencionais assinala-se que os bancos centrais, como a Reserva Federal ou o Banco Central Europeu, são os que controlam a criação de dinheiro na economia. Como assinalamos aqui e aqui os bancos centrais só dão origem ao chamado dinheiro de alto poder expansivo, mas são os bancos privados que criam o dinheiro real, e de acordo com os dados mais recentes da economia dos EUA, apenas 5% do dinheiro foi criado pelo banco central, enquanto 95% foi criado pelos bancos privados.
Isto fica agora confirmado no relatório de Jaromir Bernes y Michael Kumhof The Chicago Plan Revisited, que se converteu em documento de culto desde a sua publicação em agosto deste ano, embora tenhamos adiantado parte destes temas em junho e em outubro do ano passado.
Os bancos centrais só controlam a base monetária, dado que são os bancos privados os que criam o dinheiro através do multiplicador monetário. Como o multiplicador monetário deixou de responder a qualquer nível de exigências (dos razoáveis 10% passou-se aos 100%, 200% e até 300%), torna ridícula a taxa de encaixe (a taxa de encaixe ou de reservas é o inverso do multiplicador). Isto é porque os bancos criam a máxima quantidade de dinheiro em virtude dos empréstimos que concedem, com grande lassidão nas suas exigências e empurram as economias aos níveis de endividamento que ilustra o gráfico.
Ciclos de altos e baixos
Este resíduo gerado pelos bancos privados é o que cria os ciclos económicos de crescimento, na expansão do crédito e da dívida e a queda depois do seu colapso (momento em que não se pode pagar a dívida). O relatório de Bernes y Kumhof determina que 95% do dinheiro real da economia foi criado pela banca privada. Isto rompe com o mito académico e teórico de que a banca empresta o dinheiro depositado pelos clientes. Os bancos privados vão muito mais além dos depósitos das pessoas e o processo tende a ser exatamente o inverso, e portanto muito mais abusivo.
Cada banco privado “cria” dinheiro do nada, mediante a celebração dos compromissos de empréstimo com os mutuários, e os passivos correspondentes criam-se nos seus livros ao mesmo tempo. Quando o banco não tem o nível requerido de reservas (para cumprir com os compromissos aos seus clientes), simplesmente pede emprestado a outro banco (empréstimos interbancários) ou ao banco central, que cria novo dinheiro.
Desde há muito tempo que se reconhece que o maior defeito da criação de dinheiro do setor privado é que não está controlado e que cria os ciclos de altos e baixos. A grande expansão do crédito privado no período prévio à Grande Depressão dos anos 30 é um exemplo claro disso. Tentou coordenar-se o assunto com o sistema de Bretton Woods, mas o seu brusco fim en 1971 deixou o sistema financeiro com o poder hegemónico da economia.
Desde então, faltou vontade política para reconhecer os erros de um sistema que permite a criação automática de riqueza a um punhado de personagens (os banqueiros, menos de 1% da população) e condena à miséria 50% das pessoas. Mas isto pode começar a mudar com a difusão do trabalho de Bernes y Kumhof que já recebeu grandes elogios.
Os erros que levaram à crise atual arrastam-se desde 1971, com o surgimento das políticas que liberalizaram tudo o relacionado com o sistema financeiro. Uma libertinagem abusiva na qual nem sequer os bancos centrais tem controlo sobre a oferta de dinheiro. Não deixa de surpreender o desconhecimento massivo deste fenómeno essencial na vida das pessoas, inclusive em grande parte de quem escreve sobre isso. Esperemos que este relatório ajude a instalar o assunto no centro do debate, dado que se se desconhece a tal ponto a origem dos problemas, menos se pode encontrar soluções reais.
A criação de dinheiro por parte da banca privada é uma escalada que ajudou a criar uma montanha cada vez maior de dívida e a pôr-se a si mesmo o timbre de “demasiado grandes para cair”. À medida que crescia a dívida dos países, o setor financeiro era o que mais crescia adquirindo uma posição dominante e assustadora sobre o resto da economia.
Nos Estados Unidos, entre 1973 e 1985, o setor financeiro nunca teve mais de 15% do total de lucros empresariais do país; nos anos 90 oscilou entre 20% e 30%, mas aumentou para 41% na primeira década de este século. Além disso, enquanto nos anos 80 o setor financeiro representava 4% do PIB do país, no ano de 2007 representava 8%. Estima-se que o ano de 2007, 6,5% da força laboral estava empregada no sistema financeiro.
Em que consiste o plano de Chicago?
No meio da Grande Depressão de 1933 e o estrondoso fracasso do sistema monetário, alguns dos principais macroeconomistas estadunidenses propuseram uma reforma radical do sistema monetário que ficou conhecido como o Plano de Chicago, dado que o seu maior defensor foi o professor Henry Simons, da Universidade de Chicago. A ideia também foi apoiada por Irving Fisher da Universidade de Yale. Numa breve síntese, o Plano obrigava a 100% de reservas para os depósitos bancários, e a eliminação do sistema de reserva fracionária ou dinheiro fiduciário que existe desde há mais de 500 anos.
A proposta de Henry Simons oferecia um esquema para a transição de um sistema de criação de dinheiro por parte da banca privada, para um sistema de criação de dinheiro por parte do governo, apoiado em 100%. O Plano de Chicago também eliminava a capacidade do banco central (a Reserva Federal) para criar dinheiro, dado que seria nacionalizada e incorporada ao Tesouro dos Estados Unidos. Eliminava também outras instituições de supervisão dado que os bancos só podiam emprestar a partir dos depósitos que tinham na realidade.
Apesar de este plano ter tido uma grande aprovação entre os economistas, nunca foi adotado como lei. Alguns dos economistas que o aprovaram então, foram Irvig Fischer (1936), Maurice Allais (1947), Milton Friedman (1960) e James Tobin (1985). Mas sempre a proposta do Plano de Chicago morreu devido à forte resistência do setor bancário, e, também pela resistência da Reserva Federal, também um banco privado. Como era de esperar, John Maynard Keynes, o pai das políticas económicas keynesianas, que permitiu aos bancos do setor privado manter o controlo sobre a criação de dinheiro, não apoiou o Plano de Chicago e instalou-se completamente ao lado dos banqueiros. Keynes, morreu em 1946, acreditando que a Grande Depressão dos anos 30 tinha dado uma boa lição de prudência aos banqueiros. Enganou-se pela metade.

5 comentários:

  1. Caro Miguel Loureiro,

    Não reparei logo que o texto que me enviou era um que não apenas já tinha "folheado" e lido artigos sobre o mesmo (desde que Ambrose Evans-Pritchard lhe dedicou uma crónica) como, inclusivamente, cheguei a pensar escrever um ou dois posts sobre o assunto. Depois pensei que o tema era excessivamente complexo e demasiado "economicista", isto é, de eventual interesse apenas para iniciados, o que nunca foi o objectivo dos meus singelos escritos no EI.

    A sua referência faz-me voltar a ponderar no assunto. Ao longo de milénios, os governantes sempre tentaram evitar o problema da falta de fundos no tesouro, normalmente pela dificuldade em pagar ao exército (profissional na esmagadora maioria das vezes). São clássicas e duram até aos dias de hoje as formas tentadas para o conseguir. Sem sucesso, evidentemente. Nesse sentido, este texto que, embora não sendo um documento do FMI provém de dois economistas que lá trabalham, é muito antigo.

    Entretanto, na linha do que penso sobre o assunto versado no texto, permita-me evocar o primeiro parágrafo deste post de Detlev Schlichter, numa rápida tradução da minha responsabilidade:

    "Não é possível escapar, nos dias que correm, a um sentimento omnipresente de crise. A desgraça iminente não apenas se anuncia através de eventos reais, mas também através da proliferação de cada vez mais esquemas de arrepiar os cabelos que, alegadamente, resolverão os nossos problemas. Talvez não nos devamos surpreender se, num momento em que os mais poderosos bancos centrais do mundo mantêm taxas de juro a zero por cento anos a fio e continuam a imprimir quantidades de moeda que simplesmente vão para além da capacidade da imaginação humana (biliões? triliões?), corajosamente esperando que, desta vez, tudo irá terminar de maneira diferente, as pessoas fiquem com a impressão que a ciência económica não tem certezas, que é apenas um exercício de criatividade sem limites. No seu excelente discurso à Fed de Nova York, Jim Grant lembrou-nos que quando o Financial Times, pela  primeira vez, explicou aos seus leitores o que era o QE [Quantitative Easing], por volta de 2009, um desses leitores escreveu numa carta ao editor: "Agora consigo entender o termo "alívio quantitativo" , mas. . . dou-me conta que já não percebo o significado da palavra "dinheiro". Esse senhor não está sozinho. Os fundamentos da economia monetária foram atirados pela janela fora e um alegre "vale tudo" de propostas de políticas aterrou sobre nós. Homens e mulheres que aparentavam estar sãos propõem que, apesar de anos de taxas de juros de zero por cento não terem resolvido os nossos problemas, tudo irá mudar quando as taxas de juros forem negativas. Deveríamos todos receber  cheques do banco central com dinheiro grátis para gastar, e títulos de dívida pública do estado depositados no banco central deveriam ser cancelados. Homens adultos sonham com dinheiro atirado de  helicópteros e de dinheiro metido dentro de garrafas enterradas no chão."

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    1. Caro Eduardo C.
      Agradeço o comentário, mas como não estou à altura de responder, vou aproveitar um comentário ao post original, e vai mesmo em castelhano, que também me deixou ainda mais perplexo.
      Porque não cabe todo num só comentário, vou parti-lo em 2:

      “ME SIENTO PERPLEJO:
      No entiendo cómo hay que "descubrir" lo evidente: yo no soy economista (soy de la rama fisico-matemática) pero intento estar mínimamente informado, y desde hace algún tiempo he profundizado un poco más en las teorías económicas.
      Y esto es lo que he visto (así de un vistazo, como algo obvio y evidente) y lo vengo diciendo por estas páginas de vez en cuando (sólo voy a indicar algunos puntos):
      (1) El sistema financiero, incluido el sistema de producción de dinero, es un absoluto desastre sin control
      (2) El problema principal son los bancos: Una empresa que presta mi dinero, sino que yo lo sepa, y que si lo pierde, no tiene responsabilidad.
      (3) El que los bancos presten dinero es necesario (la riqueza no es el dinero, sino la velocidad de traspaso del dinero), pero debería hacerse, simplemente con "CONOCIMIENTO INFORMADO", y con "disminución de depósitos": Si el banco presta mis 50, yo debo tener 50 menos. Y si no los presta, yo pago por tenerlos almacenados ociosos. ES ASÍ DE SIMPLE (todas las crisis financieras resueltas para siempre jamás, dejando a las personas la decisión de qué hacer con SU dinero).
      (4) La teoría económica en general es lamentable, y de premio nobel para abajo, (todos), no he leído más que "opiniones" sin fundamento.

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    2. (5) La teoría macroeconómica es ridícula. Lo voy a explicar con un ejemplo: Intentamos entender el cuerpo humano. Y medimos el color de los ojos, el color del pelo, la temperatura de la manos, la sudoración y alguna cosa más "que se ve". Y luego escribimos ecuaciones para interrelacionar esos números. ¿Resultado? Ecuaciones inútiles.
      (6) Una teoría macroeconómia siquiera presentable debería ser sistémica, y analizar como desde unidades se forman sistemas y sólo al final deducir que "el color del pelo" depende de esto o lo otro. (La física lo entendío hace mucho tiempo)
      (7) Incluso los supuestos más elementales de cualquier libro de económicas son una castaña que te cagas. EJEMPLO:
      OFERTA = Funcion (esto y lo otro)
      DEMANDA = Funcion de ( esto y lo otro )
      Pero lo esencial, EN MACRO, lo dejan fuera: La oferta depende de la demanda, y la demanda depende de la oferta. Por eso esas funciones son erróneas en lo esencial,y todos los gráficos que pintan son una gilipollez.
      Si ponemos la realidad MACRO:
      OFERTA = FUNCION (DEMANDA, y otras cosas)
      DEMANDA= FUNCION ( OFERTA, y otras cosas )
      Esto crea funciones acopladas, que pueden tener múltiples comportamientos, y a poco que le des alguna vuelta es fácil intuír ciclos de volterra del tipo depredador-presa.
      (8) Más lamentable aún es el análisis del empleo que uno lee en los libros de economía, algo que roza la indigencia intelectual: como si el empleo fuera algo parecido a un "producto" en un "mercado" ... siendo como es algo absolutamente diferente.
      (9) Lo más lamentable aún: en algún rato libre me he puesto a crear algunos modelos desde una perspectiva sistémica, y veo que podría construir algunas cosas interesantes (lo cual me parece incomprensible: ¿no se supone que los economistas se dedican a estas cosas? ... como puede un aficionado en un rato encontrar tantos errores y fallos en los fundamentos de los modelos de una "ciencia" ?
      (10) En definitiva: Las bases conceptuales y modelos de la economía son una castaña, porque intentan escribir ecuaciones sobre variables externas en vez de crear modelos sistémicos basados en interrelaciones fundamentales entre individuos y sistemas (es como intentar escribir ecuaciones para relacionar el color del pelo, el color de los ojos y la dureza de la uñas y con ello intentar entender el cuerpo humano).
      POSDATA: Ayer me leí dos libros de Krugman. Argumentos plausibles. Pero van tan a ciegas como los de los "ultra-liberales-conservadores" del ala contraria: pura superstición basada en "lo que creo que pasaría" (vamos: como la medicina de la edad de piedra, donde una hierba o un rezo servían para cualquier cosa).
      POSDATA 2: Yo no digo que tenga la solución (como si yo fuera el tío más listo del mundo). Sólo digo que sé distinguir -y que cualquiera puede- entre una "astronomía" basada en leyes como la de newton, y una "astrología" basada en relaciones numéricas sin pies ni cabeza.
      Un cordial saludo. Leo Cano.”

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  2. Caro Miguel Loureiro,

    Tentando fornecer uma perspectiva, não apenas de refutação do paper dos dois funcionários do FMI, mas igualmente do modo de funcionamento do sistema bancário e das várias formas/tipos de moeda existentes, comecei uma série de posts no EI que, no essencial, veicularão o teor de um artigo de Detlev Schlichter que, assim o creio, é no essencial compreensível para leigos e proporciona uma visão que subscrevo - a da Escola Austríaca - que, em resumo telegráfico, consiste na adopção de uma qualquer espécie de padrão-ouro que simultaneamente retire os privilégios de criação monetária irrestrita (e, sim, contrafeita) quer aos bancos centrais - e, portanto, aos Estados - quer aos bancos do sector privado.

    O tema que o comentário ao comentário aborda começa por denotar, a meu ver, a incapacidade (infelizmente muito comum) de destrinçar as enormes diferenças metodológicas entre as ciências físicas e as ciências sociais. É também um bom tema para um futuro par de posts.

    Cumprimentos

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    1. Caro Eduardo C.
      Obrigado pelo cuidado de esclarecer e ficarei atento aos seus posts sobre o assunto, que pelo que percebo não andará muito longe do Plano de Chicago.
      Sobre as diferenças entre as Ciências exatas e as sociais, o Boaventura Sousa Santos tem um livrinho, "Um discurso sobre as Ciências", das Edições Afrontamento, em que defende um maior rigor das sociais.

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