Rede embrionária na Europa quer tirar a psicoterapia da obscuridade e torná-la a resposta de primeira linha para os doentes com perturbações psicológicas.
Os dados sobre o consumo de medicamentos antidepressivos estão actualizados até Maio: o número de embalagens vendidas nas farmácias aumentou 6,3%, para 2,9 milhões (as comparticipadas pelo Estado aumentaram 11,5%).
Um grupo de psicoterapeutas, unidos na Rede de Cuidados Psicoterapêuticos, pretende combater o que defende ser um excesso de investimento na medicação – e défice nos cuidados terapêuticos desenvolvidos pelas ciências psicológicas. Sobretudo, quando há uma crise em pano de fundo que pedia respostas mais profundas a nível nacional.
Jorge Gravanita, psicólogo clínico e psicoterapeuta, representa em Portugal a Network for Psychotherapeutic Care in Europe. “As políticas europeias em saúde mental têm privilegiado quase em absoluto o tratamento com drogas psicotrópicas. É muito grave. Todos os estudos indicam que o tratamento de primeira linha devia ser a psicoterapia, sem necessidade de recorrer à medicação”, diz Gravanita, também vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Psicologia Clínica. Segundo o especialista, o consenso entre psicoterapeutas é que 90% dos casos que chegam ao consultório não precisariam da medicação. Em Portugal, acontece o contrário: o último eurobarómetro dedicado à saúde mental, de 2010, revelou que 15% dos portugueses tinham tomado antidepressivos nos 12 meses anteriores, o dobro da média europeia, tendo Portugal a maior prevalência do consumo.
Jorge Gravanita acredita que parte deste recurso excessivo aos medicamentos tem a ver com alguma “obscuridade” da psicoterapia. Por outro lado, reflecte uma sociedade “consumista” que contamina a saúde e encara como mais fácil tomar um medicamento. “Há um sobreinvestimento numa área que é muito rentável mas que depende de alguma aleatoriedade e pode até ser prejudicial: há resultados de eficácia manipulados e por avaliar a longo prazo.”
A alternativa seria tornar a psicoterapia parte dos cuidados básicos de saúde, como pólo de intervenção para o qual psicólogos ou médicos de família pudessem encaminhar doentes, ao mesmo tempo que se investia na prevenção. Sem esta rede, defende, os tratamentos estão a ser adiados: “As pessoas não estão a resolver os problemas, estão a evitá-los. O medicamento funciona como analgésico: a pessoa não reflecte porque é que a família se está a dissolver, por que razão há dificuldades de comunicação”, exemplifica. “A saúde é conseguirmos lidar com os problemas. Há frustração e tristeza e tudo isto tem de ser trabalhado. Há uma dimensão humana que tem de ser reintroduzida nos cuidados de saúde.”
O objectivo da rede é criar uma metodologia de trabalho e oferecer respostas que possam ser incorporadas nos planos nacionais e directivas europeias. “Em Portugal não queremos pedir nada à DGS, queremos começar por saber que especialistas existem, como nos podemos articular. Estamos numa fase em que os profissionais ainda estão um pouco guetizados.”
Mais psicoterapia ajudaria o país em estado de emergência social? Gravanita não tem dúvidas. “O custo da doença mental em Portugal é brutal. O estado do país não resulta só das questões financeiras. Estamos numa condição psíquica deficitária e a forma como as pessoas estão afectadas, desmotivadas, deprimidas, contribui para a baixa produtividade. Não estamos a ter os recursos que devíamos para enfrentar os problemas.”
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