Os lóbis financeiros parecem todo-poderosos em Bruxelas, frustrando todas as tentativas de reformas do setor bancário desde a falência do Lehman Brothers em 2008. Mas a situação pode mudar, com o trabalho de um contra lóbi europeu: o Finance Watch.
Joost Mulder, 31 anos, conhece todos os arcanos. Durante 5 anos, o elegante holandês trabalhou [ou seja “atuou para influenciar”] o aparelho legislativo de Bruxelas por conta de organismos financeiros. Fazer intriga nos bastidores da Comissão, do Parlamento e dos Conselhos de Ministros dos 27 era o seu ganha-pão. Falando 4 línguas e a par de tudo o que se passa, este homem mexe-se facilmente nos meandros da política de Bruxelas – um lobista tal e qual o imaginamos.
Num dia, ele e os seus colegas inviabilizam iniciativas parlamentares, noutro, convencem os funcionários de Bruxelas a introduzirem disposições “explosivas” a um anteprojeto de lei para organizarem um escudo de barreiras múltiplas e – aparentemente – independentes umas das outras. E quando um irritante parágrafo não conseguiu ser suprimido pela Comissão ou pelo Parlamento, constitui-se uma minoria de bloqueio no Conselho. “‘Pague-me 10.000 euros de honorários e encarrego-me de meter a sua posição na ordem do dia do Conselho de Ministros’. É este o género de promessas que os lobistas fazem aos seus clientes”, afirma Joost Mulder.
Mas as coisas podem mudar. Porque Joost Mulder mudou de campo. No ano passado, quando os lóbis financeiros chegaram ao ponto de “fazerem pressão sobre os governos ameaçando retirar capitais e suprimir empregos, fartei-me”, conta ele. “Making finance serve the society”, “Pôr a finança ao serviço da sociedade”, podemos ler agora no cartão-de-visita de Joost Mulder, atualmente responsável pelas relações externas de uma ONG chamada Finance Watch.
Charlie McCreevy, um comissário cativo
O seu trabalho é muito semelhante ao de um lobista. Mas agora é desenvolvido ao serviço de uma ONG única no género na cena política de Bruxelas. Na Finance Watch, os especialistas em mercados financeiros têm como objetivo enfrentar os lóbis do setor da finança para os levar de volta à sua razão de ser inicial: colocar os serviços financeiros ao serviço da produção.
A experiência é inédita. E este novo lóbi, que quer disciplinar os mercados financeiros é a resposta a um pedido – do próprio corpo legislativo.
Na origem desta iniciativa está uma tomada de consciência que apareceu quando a crise financeira rebentou, no outono de 2008. Quando foi necessário decifrar as causas da crise, não havia especialistas experimentados verdadeiramente independentes do mundo da finança. A todos os níveis, eram os banqueiros, os gestores de fundos ou os especialistas por eles pagos que davam o tom.
Ao mesmo tempo, percebeu-se que a Comissão Europeia e a Direção Geral do Mercado Interno estavam literalmente infiltradas pelo setor financeiro. Foi o “Corporate Europe Observatory” (Observatório Europeu das Empresas, CEO) que revelou a amplitude do fenómeno.
Num relatório publicado no outono de 2009, intitulado “Uma Comissão Cativa”, demonstrava como Charlie McCreevy, o comissário [para o Mercado Interno] de então, tinha delegado, de facto, o processo legislativo nas empresas em causa. Metade da Europa indignou-se por ver que as instâncias europeias ouviam sempre e apenas um dos lados da questão. Mas o caso não teve repercussões concretas.
Os deputados pagaram do seu próprio bolso
Perante estes acontecimentos, o deputado verde francês Pascal Carfin e o seu homólogo alemão Sven Giegold tiveram a ideia, em junho de 2010, de uma iniciativa original. Lançaram um “apelo à vigilância financeira”, garantindo, em meia dúzia de dias, o apoio de 22 membros, de todas as tendências, da Comissão de Assuntos Económicos. Os dois homens procuravam gente dinâmica com sólida bagagem financeira. Thierry Philipponnat respondeu à chamada.
Ao fim de 20 anos de experiência nos meios da banca e da bolsa, em 2006 Thierry Philipponnat deixou um lucrativo emprego por uma vida completamente nova. Primeiro, na difusão do microcrédito nos países pobres, depois, nas fileiras da Amnistia Internacional.
Os deputados financiaram do seu próprio bolso os primeiros seis meses de ação, que deram frutos. No final de uma tournée de vários meses por 7 Estados-membros da UE, tinha conseguido o apoio de 38 organizações, da Oxfam à Confederação Europeia dos Sindicatos, e reunido um capital inicial de cerca de meio milhão de euros junto de fundações privadas. Paralelamente, o Parlamento fazia pressão para que a Finance Watch recebesse um financiamento europeu. Este ano, foram atribuídos 1,25 milhões de euros para esta causa e Michel Barnier, que é o novo comissário europeu para o Mercado Interno, deu a entender que a Finance Watch vai receber a maior parte desse dinheiro.
Seis meses depois da assembleia constituinte, Thierry Philipponnat é hoje o secretário-geral de um gabinete de especialistas e de lóbi mandatado pelo Parlamento, financiado pelos contribuintes e apoiado por organizações que totalizam 100 milhões de membros.
O jogo vale a pena? Pode este punhado de homens fazer qualquer coisa perante a hidra do lóbi financeiro? Só em Bruxelas, os bancos e outras instituições financeiras encarregaram 700 especialistas para orientarem o processo legislativo na direção que mais lhes convém. E a sua esfera de influência alarga-se.
“É o mesmo trabalho que eu fazia antes”
A tarefa é árdua, como testemunha o braço de ferro em torno dos contratos de troca sobre o risco de crédito exposto, os Credit Default Swaps (CDS), que permitem aos hedge funds especularem sobre a solvência dos Estados sem terem de apostar muito dinheiro. Os preços dos CDS permitem avaliar os riscos que pesam sobre a solvabilidade de um Estado e podem, também, agravar seriamente uma eventual crise da dívida soberana, podendo mesmo provocá-la.
Por esta razão, em março de 2011, o Parlamento Europeu exigiu a proibição total destas transações. Os sindicatos dos hedge funds e dos bancos reagiram imediatamente, recorrendo a uma estratégia que Thierry Philipponnat batizou como “estratégia do detalhe complicado”. Os deputados não perceberam os mecanismos dessas transações, alardearam os lobistas nas páginas do Financial Times. Além disso, se a proibição fosse aplicada, “reduziria o volume de liquidez no mercado de obrigações dos Estados, o que se traduziria, no fim, por um aumento dos custos para quem empresta” – um argumento difícil de refutar pelos leigos.
Mas, conhecedor dos mercados, Thierry Philipponnat não teve nenhuma dificuldade em pôr a nu a mistificação. A sua análise dos prós e contras da questão foi ouvida. De tal maneira que o próprio comissário europeu do setor chamou a si a argumentação de Thierry Philipponnat e a assembleia plenária manteve a proibição.
No entanto, quando a proposta foi submetida a votação no Conselho de ministros das Finanças, no mês de outubro, alguns ministros insistiram que o texto devia prever isenções. “Era, claramente, o resultado de um grande trabalho de lóbi”, diz Joost Mulder, louvando, de passagem, o trabalho dos seus antigos colegas. Agora, o texto apresenta “uma brecha aberta”, mas isso não impede Joost Mulder de demonstrar uma enorme confiança: “Na realidade, é o mesmo trabalho que eu fazia antes mas, atualmente, durmo muitíssimo melhor”, confessa.
Pascal Canfin, o inimigo da finança
“Acabar com a arrogância das Finanças”: eis, segundo o semanário francês Télérama, o objetivo da Finance Watch. O semanário entrevistou o fundador desta ONG, o eurodeputado Pascal Canfin.
“Estou orgulhoso por ter criado a Finance Watch”, declara o ecologista francês, que explica -
... era absolutamente necessário criar uma iniciativa que combatesse o incrível lóbi das Finanças. Mas esta ONG devia ser ‘transpartidária’, dado que a sociedade civil já não responde a um apelo de um partido, sobretudo um partido minoritário como os Verdes. Convém também realçar que o Parlamento Europeu, contrariamente à Assembleia Nacional, é eleito através do sistema de representação proporcional, não existe maioria nem minoria automática. Cada texto tem a sua maioria. Negócio com muita perseverança e quando o balanço é globalmente positivo, voto a favor.
Considerando que os Estados perderam a oportunidade, em 2008 e 2009, de reformar o setor bancário quando “os bancos estavam de joelhos”, Canfin estima que "a mudança na Europa passa necessariamente pela dupla alternância de poder, em 2012 na França e em 2013 na Alemanha".
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