Os economistas têm uma visão pessimista do Orçamento do Estado para o próximo ano que foi ontem apresentado pelo Governo.
"Creio que no caso do Orçamento do Estado é adequado falar de violência desmedida do ponto de vista das principais medidas, porque há uma nota que é por demais evidente que é uma fortíssima opção, quase única, pela contracção salarial, pela desvalorização do trabalho", afirmou o director da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
José Reis disse que o Governo "não está a gerir uma crise, mas a desconstruir a sociedade e a economia", considerando que as medidas propostas, "além de violentas e injustas, têm um efeito recessivo que está expresso no cenário macroeconómico divulgado", que prevê uma recessão de 2,8% em 2012 e uma taxa de desemprego de 13,4%, um recorde.
O economista afirmou que "a questão começa a estar muito para além do ponto de vista económico passando para o foro jurídico e constitucional", considerando que "há uma regressão social". "A constituição portuguesa há muito que estabeleceu a ideia de que as instituições proíbem a evolução reaccionária no sentido da regressão social, da regressão de direitos, que é o que se está a passar aqui", declarou.
Para o investigador do Centro de Estudos Sociais, deveria haver "outra noção de prazo para resolver as coisas", considerando que "a sapiência está em articular medidas de curto com medidas de longo prazo".
Além de uma "total perda de confiança nas normas sobre mecanismos fundamentais como é o do salário", José Reis alerta para "um problema de proporcionalidade" e de "violência desproporcionada", criticando o facto de não ter havido coragem para incidir sobre "outros rendimentos, designadamente os da propriedade".
Rejeitou ainda a noção de que a competitividade da economia depende da redução dos custos salariais, com a agravante de "ao agir sobre a despesa, vai haver menos receita".
Sandro Mendonça: "É um suicídio assistido à classe média"
"A questão que me parece contundente tem a ver com o facto de o Executivo estar a ser criativo de forma enviesada para as classes médias e classes baixas de um país que é o mais desigual da Europa Ocidental", afirmou o economista Sandro Mendonça, depois da entregue OE 2012.
O docente da ISCTE - Business School defendeu que o documento é "como uma recessão induzida, um suicídio assistido à classe média, que tem ramificações capilares no resto da economia, sobretudo em relação ao crédito mal parado", considerando que o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, "está a induzir um ciclo vicioso", que "Tem sido hábil em termos de gestão dos media, mas sem sentido de Estado", acusou.
Para o economista, "o Governo perdeu uma oportunidade de ser criativo por exemplo em relação ao IVA, porque aumenta a taxa para um conjunto de bens, mas perde uma oportunidade de ser criativo na taxação temporária de bens de luxo, como imóveis e de carros de alta cilindrada".
"Não há sequer uma orientação de trazer classes com consumos sumptuosos à arena", acrescentou, considerando que "a criatividade está mal distribuída e cai no conjunto de classes que são fáceis de atingir".
O economista Sandro Mendonça questiona "o paradoxo de o Governo dizer que este tipo de medidas [de austeridade] é importante para a credibilidade exterior quando a comunicação das políticas o descredibiliza internamente", dando como exemplo "quando o Governo interpõe a 'troika' e os comentadores para algumas comunicações ao País, ofendendo o sentido de Estado".
Abel Fernandes: Orçamento vai resultar no "agravamento das condições económicas"
O economista Abel Fernandes não está convencido com a proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2012, considerando que "É um orçamento não convincente, isto é, não vejo como é que as medidas que constam do documento podem constituir um passo sério que nos conduza ao reequilíbrio das contas públicas de uma forma definitiva", afirmou o especialista em macroeconomia, considerando que "são medidas apressadas, tomadas em ambiente de verdadeiro pânico, que recorre às soluções habituais de mais impostos".
Abel Fernandes adiantou que o documento não prevê "qualquer reforma da estrutura do Estado", realçando que se limita a fazer "uma redução indiscriminada da despesa, que é equivalente a tributação adicional, como a redução de gastos com pessoal, nomeadamente a eliminação do 13º. mês e do subsídio de férias [da função pública]".
O docente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto considera que o cenário macroeconómico, que prevê que Portugal vai ter uma recessão de 2,8% em 2012 e o desemprego vai atingir os 13,4%, traduz "a convicção do Governo de que as medidas que está a tomar não podem ter outro resultado senão um agravamento das condições económicas, nomeadamente a recessão e o aumento do desemprego". "O meu receio é que a previsão de redução do PIB de 2,8% seja optimista, porque as condições macroeconómicas na Europa são muito desanimadoras, mesmo no caso da Alemanha", declarou.
Abel Fernandes sustentou que "aos elementos recessivos introduzidos pelo orçamento, tem que se acrescentar o abrandamento muito significativo da economia europeia", realçando que "se Portugal tiver uma quebra do PIB superior a 2,8%, o reequilíbrio orçamental estará de novo comprometido". "Teremos um orçamento a correr atrás da lebre em que a lebre corre sempre mais", acrescentou.
Para o especialista em macroeconomia, o controlo da execução orçamental, que tem sido um dos grandes problemas, ficou por explicar pelo ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que, "do lado da despesa, não anunciou nenhuma medida concreta, de forma a evitar a repetição de situações que têm sido comuns" e "Do lado da receita, o Governo não pode controlar a execução, mas é muito provável que no próximo ano tenhamos receitas fiscais abaixo das previstas", disse, considerando que "o espaço de manobra do Governo começa a limitar-se bastante".
Não se pode dizer que estes críticos, que foram escolhidos para os cargos por competência, não sabem do que falam, como diriam se fosse eu a dizer o mesmo, razão porque só acrescento estas duas definições, que elucidam as diferentes visões e as diferentes soluções:
“A economia é uma virtude distributiva e consiste, não em poupar, mas em escolher.” Edmund Burke
“Logo que na ordem económica não haja um balanço exacto de forças, de produção, de salários, de trabalhos, de benefícios, de impostos, haverá uma aristocracia financeira, que cresce, reluz, engorda, incha, e ao mesmo tempo uma democracia de produtores que emagrece, definha e se dissipa nos proletariados.” Eça de Queiroz
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