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domingo, 19 de janeiro de 2014

Um meio democrático reduzido a estratégia política?

O que se viu ontem no Parlamento na votação para um referendo à coadoção por casais do mesmo sexo desprestigia a Assembleia da República. Mas, acima de tudo, desvaloriza por completo um importante instrumento da democracia: os referendos.
Há 2 vias para aprovar leis no nosso país. Na Assembleia da República ou através desta consulta à população. Não havendo em Portugal a tradição de referendos, ao contrário do que acontece noutros países - como a Suíça, por exemplo, onde são utilizados para avaliar a vontade popular dos mais variadíssimos temas -, e tendo nós a experiência de, nos 3 únicos referendos em 40 anos, ter tido uma fraquíssima adesão, era importante manter este instrumento imaculado.
Quando o Parlamento avança para um referendo tem de ter a firme convicção de que não se sente competente para deliberar sobre um determinado tema, tal a sua importância social ou o impacto na sociedade. O que pode ser o caso da coadoção. Mas Isso implica algum consenso entre as bancadas dos vários partidos. Ora o que aconteceu ontem é que o PSD não só não conseguiu "convencer" para a sua proposta ninguém da oposição, nem o seu parceiro de coligação, como, ainda por cima, viu abrir-se uma enorme fratura dentro do próprio partido obrigado a disciplina de voto. E, além de polémicas declarações tornadas públicas, perdeu a vice da bancada parlamentar.
As imagens que ontem passaram da Assembleia foram graves. Viu-se um PSD dividido. Uma nova fratura com o parceiro de coligação. Mas, acima de tudo, uma desvalorização de um instrumento importante em democracia, aqui reduzido apenas a um estratagema político. Se o referendo ontem aprovado avançar mesmo, chegará às pessoas já desprestigiado. O que é lamentável.
A foto e o filme
Em que ficamos? É o primeiro-ministro que tem de "descer do mundo da lua" e enfrentar a dura realidade do País ou são os partidos da oposição que descrevem um cenário de "subdesenvolvimento" completamento desligado do dia-a-dia da vida dos portugueses?
As posições políticas no debate parlamentar quinzenal não param de se extremar, o que anuncia um rosário de frases-choque deste tipo nas disputas discursivas nos próximos meses. Quem gosta de traçar bissetrizes dirá que a realidade se situa a meio caminho, e usará a estafada imagem do copo meio cheio, meio vazio. Esta perspetiva obscurece o problema de fundo do debate atual. Não é possível, depois de tudo o que aconteceu ao longo dos últimos 3 anos, descrever o cerne da situação de Portugal com uma simples fotografia instantânea. Nessa lógica, leva a maioria vantagem: cada nova imagem surge como menos má do que a anterior, os indicadores revelam-se sucessivamente mais positivos.
O problema é que há uma profunda reorientação produtiva em curso, há importantes alicerces de vida - rendimento, emprego, carreira - que foram muito abalados sem que nos encontremos, ainda, em condições de afirmar que se criaram alternativas melhores e, a prazo, mais sólidas. E, em nome da apoteose que se prepara para o próximo dia 17 de maio, o País ainda não se apercebeu das dificuldades que vai ser preciso superar na próxima legislatura, em nome da omnipotente confiança dos credores na fiabilidade de Portugal. Falta ver o filme todo.

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