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domingo, 18 de agosto de 2013

A “espiritualidade” dos festivais de música pagã…

Duas manifestações aparentemente diversas têm origem nas mesmas necessidades humanas e partem do subconsciente. As canções substituem a oração para alguns, e outros utilizam o ritual como estratégia de marketing.
"Para mim, cantar é como um mantra que cura", revelou a cantora pop italiana Gianna Nannini numa entrevista recente. "Cantar deixa-me como que em transe, faz-me feliz e transforma a minha consciência. E é essa sensação que eu quero levar pelo mundo fora." E esclarece: "Mas não sou religiosa".
Nannini podia estar a falar em nome de muitos dos seus colegas, de Jimi Hendrix a Santana, que se dissolvem na própria música e se entregam a uma sensação de êxtase. Os fãs também não conseguem escapar a essa atração, pois o efeito dos sons é subconsciente.
"Música e religião têm a mesma origem", diz a musicóloga e psicóloga suíça Maria Spychiger, que atua em Frankfurt. "Ambas desencadeiam sentimentos difíceis de definir com palavras, têm a capacidade de provocar experiências que ultrapassam o dia-a-dia."
"Bater de asas de um anjo"
O poder espiritual da música faz-se sentir desde os primórdios da história humana até hoje. Em pleno século XXI, os xamãs empregam nos seus rituais o toque de tambores ou sons de flauta. Entre os povos nativos, a música não serve apenas para diversão, mas também ajuda a entrar em contacto com os deuses.
No cristianismo, a arte dos sons sempre desempenhou um papel importante. Do canto gregoriano ao gospel, passando pelas cantatas de Johann Sebastian Bach, a música encontra uma linguagem própria para o lamento e o júbilo, a meditação e o êxtase.
Heiner Gembris, especialista em psicologia musical, descreve com uma imagem poética a relação entre estes 2 âmbitos: "A música é como o bater de asas de um anjo, que nos toca e faz sentir a presença de algo maior, que nos eleva para além dos limites da nossa prisão no mundo".
No mundo ocidental secularizado, o aspeto religioso da música é cada vez mais colocado em segundo plano. Ao mesmo tempo, os jovens transferem em massa aos astros musicais a idolatria que a geração dos seus avós dedicava a Nossa Senhora ou aos santos. Nos shows ao vivo, eles vivenciam sentimentos antes reservados ao campo da oração ou dos rituais religiosos: aqui eles procuram alegria e consolo.
"O lado espiritual não brota simplesmente dos seres humanos", explica Spychiger. "Recorrem, antes, a conteúdos já presentes na sua cultura. Para muitos a música tem um valor elevado, nela encontram significado e sentido existencial. E alguns até satisfazem mesmo as suas necessidades religiosas através da música."
Fãs como Elisabeth Dick, de 36 anos, corroboram plenamente tal afirmação. "Antes, eu gostava de escutar o Enigma. A música suave da banda era absolutamente espiritual para mim, dava-me a sensação de estar flutuando em outras esferas." Hoje em dia, vai a muitos shows de rock. "Não é para pensar que tenha qualquer coisa a ver com espiritualidade, mas, quando centenas de fãs dançam a noite toda, é bem fácil a pessoa sentir-se levada. Aí eu fico como se fosse em transe."
Este fenómeno também se manifesta nas festas techno. Os jovens movem-se ao som de um ritmo compulsivo e pulsante, o qual, segundo estudos científicos, opera sobre o sistema neurovegetativo, em todo o corpo. Os DJs fazem uso desse saber, ao encadear músicas com a mesma frequência de batidas por minuto. Após horas seguidas consumindo esses ritmos, os dançarinos entram em estado de transe.
A tentação de ser superstar
Assim, não são apenas os astros da música, mas também os DJs a ganharem status de ídolos semirreligiosos, imitados sobretudo pelos jovens em fase de formação da personalidade. Ou, como sintetiza a cantora norte-americana Pink numa das suas músicas de maior sucesso: "God is a DJ" (Deus é um DJ).
Além disso, nos concertos dos seus superstars os fãs desenvolvem um sentimento de comunidade com os demais espectadores. Através de determinados rituais – como o vestuário ou a ornamentação corporal – alguns grupos até se isolam mesmo intencionalmente dos adeptos de outros estilos musicais.
A mistificação também tem um papel forte na comercialização dos artistas, e a indústria de publicidade trabalha avidamente para transformá-los em super-seres humanos.
A fascinante promessa de se transformar num desses super-homens reflete-se em formatos televisivos como Idols/Superstar (criado na Inglaterra em 2001), ou The Voice (Holanda, 2010). Estas e outras franquias basicamente exploram o desejo de milhares de jovens, que sonham com uma carreira estrondosa como músicos.
Fiéis, hereges e falsos sacerdotes
O papel da religião para cada músico é bastante diverso. Há cantores religiosos, como o alemão Xavier Naidoo, que expressa a sua fé nas letras e também na vida quotidiana. Cristão convicto, afirma rezar 2 vezes por dia.
Outros empregam símbolos religiosos com o fim de provocar. Como Madonna, ao pintar nas mãos as chagas de Cristo e utilizar o crucifixo para fins pouco ortodoxos. O Vaticano escandalizou-se, enquanto a estrela falava num sinal de emancipação. No fim de contas, tais ações são, em grande parte, uma esperta estratégia de marketing.
Ainda outros, como Michael Jackson, celebram-se no palco com fogo, efeitos de luz bombásticos e impressionantes shows de laser. Segundo certos psicólogos, cenários desse tipo manipulam a perceção dos espectadores, ao aproximar o artista da imagem de um Redentor que condescende em se apresentar ao seu povo. O concerto converte-se num ritual pomposo, lançando mão de um simbolismo que lembra o Velho Testamento da Bíblia, em que Deus se mostra em pessoa.
Para os amantes do pop e rock, tais análises são totalmente supérfluas: o importante é divertir-se. Como relata um fã de 19 anos: "Quando vou a um show de rock com os meus colegas, é uma libertação. A gente voa em direção ao céu. Toda a porcaria da semana, o chefe que chateia, de repente, tudo isso está lá longe e não faz a menor diferença. Eu sinto-me como se tivesse chegado a algum lugar... no meu próprio mundo".

2 comentários:

  1. Miguel
    De facto, a grande verdade é que a arte (quer seja em forma de música, ou outra qualquer) é um bálsamo para as nossas vidas (vivências), quer sejam pagãs ou religiosas.

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    1. António
      Claro! Penso que a arte (processo pessoal) até nasceu antes da religião (que liga pessoas) e não é por acaso que todas as religiões se servem da música para transportar os indivíduos para uma transformação religada...
      Abraço

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