É verdade que temos de olhar para o
lado. Não vermos o desmancho na administração da Caixa. Não vermos que empresas
outrora geridas por ministros de hoje são investigadas por gestão de fundos.
Não vermos as previsões da OCDE. Não vermos a crise na coligação nem o
excruciante benfiquismo de Gaspar e de todos os gaspares. Mas há dias em que
olhar para o lado é olhar em frente. Hoje é um desses dias.
Pedro Santos Guerreiro
Olhar em frente não é cegar ao vazio
nem beber as lágrimas que encheram meio copo. É, apenas, saber olhar. E ver que
no mar revolto há quem boie. É o que a edição de hoje do Negócios faz. Não é
uma "pílula positiva", é
uma edição que dá destaque merecido a quem, por fazer bem, o mereceu. Os
números negativos do País não se comovem um segundo, mas por alguns minutos
pode ler nestas páginas dezenas de casos empresariais que inventaram um
presente tentando chegar ao futuro. E não pode ser mentira se é com gente de
verdade.
Empresas, claro, pois do Estado há
poucas boas novas e muitas boas velhas. A esperança permanece privatizada: é
nas empresas que se encontra quem contrarie a contrariedade. Temos filiais que
lideram listas das multinacionais e não é nos índices de baixos salários, mas
nos de produtividade. Temos empresas que exportam, que internacionalizam, que
inovam. Esta edição está carregada delas. Revelamos um punhado de heróis que
saltaram o abismo que as suas empresas enfrentavam. Relembramos dezenas de
empreendedores que foram notícia ao longo dos últimos 12 meses neste jornal.
O Negócios cumpre mais 12 meses desde
que é diário. Permitimo-nos por isso escrever meio parágrafo sobre nós: a
comunicação social vive uma crise de receitas tão ou mais avassaladora que
muitos outros sectores económicos, luta contra a crise, contra tentativas de
enfraquecimento daqueles que contestamos, até contra concorrentes
internacionais que nem impostos pagam. Mas foi nos últimos 12 meses que o
Negócios consolidou a liderança na Internet, conquistou leitores no serviço
pago online e pela 1.ª vez atingiu a liderança na audiência da edição impressa.
Não dá para festança, mas dá para festividade; para a direcção elogiar a
maravilhosa redacção; e para agradecer a confiança a todos os leitores.
É pois com alguma ousadia que
celebramos mais 12 meses com uma edição que escreve sobre heróis e fala de
felicidade. Mas não é uma ousadia perante a realidade, é uma ousadia perante a
monotonia das nossas gravidades. Portugal é o número 28 em 36 no
"ranking" da felicidade da OCDE. Somos dos mais insatisfeitos com a
vida. Mas ou vamos todos beber cerveja para a Austrália (o país mais feliz) ou
resgatamos alegria onde ela exista. O Governo não sabe de que terra é, mas
muitos de nós não andamos perdidos. Nas empresas. Na vida. Não é pecado ousar.
Não é expiação dançar esta noite no Porto, no Primavera Sound. E um país onde o
novo livro de Herberto Helder esgota num dia é um país que, na sua servidão,
ainda sente o frémito quando lê "mão
tão feliz de ter tocado teu corpo atento ao meu desejo".
Pois, caro leitor, este editorial não
é muito normal. Mas esta edição é mais normal do que parece, ainda que esteja
pintada com cores daqueles que têm cores alegres. Amanhã falaremos da Caixa, da
queixa e da cacha. Hoje, para pasmo dos políticos, falamos da alegria. (Sabe,
eles querem muito que nós sejamos felizes, pois isso aparenta paz e é parente
das expectativas, de que a economia precisa. É por isso que muitos deles,
brutos, dizem que o mal é do Fado, quando triste fado são eles próprios. Mas
não estraguemos o andamento).
A felicidade é uma utopia, a alegria
uma possibilidade, a realização cabe num livro de auto-ajuda. Nenhuma delas
paga a casa a um desempregado, nem compra o pão a um falido. Mas hoje, só hoje,
escrevemos não sobre o insulto das políticas falhadas aos excluídos, mas sobre
a vitória ocasional sobre elas. Não é olhar para a Lua, é olhar para a terra. A
nossa terra.
Sem comentários:
Enviar um comentário