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quarta-feira, 29 de maio de 2013

A perspetiva de Krugman, hoje, e a sua visão de ontem

O Financial Times publicou um extenso retrato, profundamente deprimente, da situação que hoje se vive em Portugal, dando destaque às condições que as empresas familiares estão a atravessar – elas que sempre foram o cerne da economia e da sociedade portuguesa e que agora se afundam em massa.
Paul Krugman
É disto mesmo que se trata. E por isso, quem quer que seja, e que ocupe não importa que lugar no debate actual - um político no activo ou um simples analista que olha para a realidade a partir do exterior - deve concentrar-se, acima de tudo, em saber como e porquê se está a permitir que este pesadelo aconteça de novo, 3 gerações depois da Grande Depressão.
Não me venham dizer que Portugal seguiu más políticas no passado e que tem problemas estruturais profundos. Claro que tem, como todos os países têm. Mas mesmo que se possa dizer que a situação de Portugal é mais grave que a de outros países, como pode pensar-se que a forma para lidar com esses problemas reside em condenar um elevado número de trabalhadores disponíveis ao desemprego?
A resposta para o tipo de problemas que Portugal agora enfrenta, como já sabemos há muitas décadas, é uma política monetária e fiscal expansionista. Mas Portugal não pode adoptar essa política por conta própria, dado que já não dispõe de moeda própria. Ou seja, das duas, uma: ou o euro deve acabar ou algo deve ser feito para que ele funcione. Porque aquilo a que estamos a assistir (e que os portugueses estão a experienciar) é inaceitável.
O que é que poderia ajudar? Uma expansão mais forte da zona euro como um todo e uma inflação mais elevada nos países do centro europeu. Uma política monetária mais suave poderia ajudar a alcançar esses objectivos, tendo em conta que o BCE, como o Fed, é basicamente contra o limite inferior nulo. O BCE pode e deve tentar implementar políticas não convencionais, mas é necessária a máxima ajuda possível ao nível da política orçamental e não uma situação em que a austeridade na periferia é reforçada pela austeridade no centro.
Em vez disso, no entanto, o que aconteceu foram 3 anos em que a política europeia se focalizou quase inteiramente nos supostos riscos da dívida pública. Eu não acho que seja perda de tempo discutir como surgiu esse foco deslocado, incluindo o papel infeliz desempenhado por alguns economistas que fizeram um trabalho apurado no passado e que farão presumivelmente um trabalho apurado no futuro. Mas o mais importante agora é mudar as políticas que estão a criar este pesadelo.
D’A ESTANTE (tradução) de Nuno Serra
Um obrigado ao Nuno Serra pela permissão para usar as suas traduções dos 2 artigos em questão, para que ninguém possa ficar privado da compreensão da “realidade”, vista de fora e por quem tem “galões” para obrigar os menos graduados a prestar-lhe continência, embora quem imponha a continência (neste mundo do avesso), sejam uns “sargentos-mores” amanuenses…
Paul Krugman
Não quis misturar este texto com o meu post mais substantivo sobre Portugal. Mas alguns leitores talvez possam estar interessados em conhecer certas memórias sentimentais da minha juventude.
Estava-se em 1975, pouco tempo depois do derrube da ditadura que governou o país durante meio século. O governador do Banco de Portugal, José da Silva Lopes, telefonou ao seu velho amigo Dick Eckaus, professor no MIT, para ver se ele podia conseguir que algumas pessoas de lá pudessem ir a Portugal e oferecer consultoria especializada. Apareceu uma equipa composta (tanto quanto me lembro) por Eckaus, Rudi Dornbusch e Lance Taylor (e tenho a certeza que o Bob Solow também foi). Tudo indica que eles tenham feito um óptimo trabalho, coligindo as contas nacionais, entre outras coisas, e Silva Lopes quis mais. Mas infelizmente os seniores da faculdade do MIT já não estavam disponíveis.
Assim, no verão de 1976 arranjaram 5 estudantes do MIT: Miguel Beleza (um português, que viria a tornar-se governador do Banco de Portugal e ministro das Finanças), Andy Abel, Jeff Frankel, Ray Hill (que foi depois para o privado) e eu. A avaliar pelas posteriores reputações académicas, conseguiu-se um grupo e tanto! No ano seguinte, já agora, conseguiram recrutar David Germany, Jeremy Bulow e, adivinhem quem, Ken Rogoff.
No verão de 1976 Portugal era um lugar interessantemente estranho - estava ainda numa situação um pouco caótica, em resultado do golpe de Estado e da retirada do seu império africano (os hotéis estavam cheios de «retornados» vindos de África, aí colocados temporariamente). Lisboa assemelhava-se por vezes a um fóssil, com muita da sua aparência e das suas infraestruturas a evidenciar escassas mudanças em relação à era Eduardiana. A democracia ainda vacilava, com os cartazes maoistas, espalhados em toda a parte, a induzir em erro. A esquerda democrática tinha ganho de forma absolutamente decisiva no momento em que chegámos (apesar de a televisão ainda estar a mostrar programas da Alemanha de Leste sobre tractores e de as salas de cinema estarem a passar pornografia ocidental com uma década de atraso).
O país era, em suma, fascinante, amável, mas ainda muito pobre.
Estivemos numa conferência de reencontro 25 anos mais tarde e Lisboa, para ser sincero, decepcionou-me um pouco: mesmo que encantadora, tinha-se tornado numa cidade europeia normal. Mas essa normalidade significava, como todos na altura reconhecemos, uma coisa maravilhosa: Portugal tinha emergido de uma longa e conturbada história para se tornar parte do patamar elementar de decência do Modelo Social Europeu.
E é tudo isso que está agora ameaçado.
Às vezes encontro europeus que dizem que as minhas duras críticas à troika e às suas políticas significam que eu sou anti-europeu. Pelo contrário: o projecto europeu, a construção da paz, da democracia e da prosperidade através da União é uma das melhores coisas que já aconteceu à humanidade. E é por isso que as políticas erradas, que estão a fragmentar a Europa, são uma enorme tragédia.
D’A ESTANTE (tradução) de Nuno Serra

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