O Financial Times publicou um extenso retrato, profundamente
deprimente, da situação que hoje se vive em Portugal, dando destaque às
condições que as empresas familiares estão a atravessar – elas que sempre foram
o cerne da economia e da sociedade portuguesa e que agora se afundam em massa.
Paul Krugman
É disto mesmo que se trata. E por
isso, quem quer que seja, e que ocupe não importa que lugar no debate actual -
um político no activo ou um simples analista que olha para a realidade a partir
do exterior - deve concentrar-se, acima de tudo, em saber como e porquê se está
a permitir que este pesadelo aconteça de novo, 3 gerações depois da Grande
Depressão.
Não me venham dizer que Portugal
seguiu más políticas no passado e que tem problemas estruturais profundos.
Claro que tem, como todos os países têm. Mas mesmo que se possa dizer que a
situação de Portugal é mais grave que a de outros países, como pode pensar-se
que a forma para lidar com esses problemas reside em condenar um elevado número
de trabalhadores disponíveis ao desemprego?
A resposta para o tipo de problemas
que Portugal agora enfrenta, como já sabemos há muitas décadas, é uma política
monetária e fiscal expansionista. Mas Portugal não pode adoptar essa política
por conta própria, dado que já não dispõe de moeda própria. Ou seja, das duas,
uma: ou o euro deve acabar ou algo deve ser feito para que ele funcione. Porque
aquilo a que estamos a assistir (e que os portugueses estão a experienciar) é
inaceitável.
O que é que poderia ajudar? Uma
expansão mais forte da zona euro como um todo e uma inflação mais elevada nos
países do centro europeu. Uma política monetária mais suave poderia ajudar a
alcançar esses objectivos, tendo em conta que o BCE, como o Fed, é basicamente
contra o limite inferior nulo. O BCE pode e deve tentar implementar políticas não
convencionais, mas é necessária a máxima ajuda possível ao nível da política
orçamental e não uma situação em que a austeridade na periferia é reforçada
pela austeridade no centro.
Em vez disso, no entanto, o que
aconteceu foram 3 anos em que a política europeia se focalizou quase
inteiramente nos supostos riscos da dívida pública. Eu não acho que seja perda
de tempo discutir como surgiu esse foco deslocado, incluindo o papel infeliz
desempenhado por alguns economistas que fizeram um trabalho apurado no passado
e que farão presumivelmente um trabalho apurado no futuro. Mas o mais
importante agora é mudar as políticas que estão a criar este pesadelo.
D’A ESTANTE (tradução) de Nuno Serra
Um obrigado ao Nuno Serra pela permissão para usar as suas traduções dos 2 artigos em questão, para que ninguém possa ficar privado da compreensão da “realidade”, vista de fora e por quem tem “galões” para obrigar os menos graduados a prestar-lhe continência, embora quem imponha a continência (neste mundo do avesso), sejam uns “sargentos-mores” amanuenses…
Paul
Krugman
Não quis misturar este texto com o meu
post mais substantivo sobre Portugal.
Mas alguns leitores talvez possam estar interessados em conhecer certas
memórias sentimentais da minha juventude.
Assim, no verão de 1976 arranjaram 5
estudantes do MIT: Miguel Beleza (um português, que viria a tornar-se
governador do Banco de Portugal e ministro das Finanças), Andy Abel, Jeff
Frankel, Ray Hill (que foi depois para o privado) e eu. A avaliar pelas
posteriores reputações académicas, conseguiu-se um grupo e tanto! No ano
seguinte, já agora, conseguiram recrutar David Germany, Jeremy Bulow e,
adivinhem quem, Ken Rogoff.
No verão de 1976 Portugal era um lugar
interessantemente estranho - estava ainda numa situação um pouco caótica, em
resultado do golpe de Estado e da retirada do seu império africano (os hotéis
estavam cheios de «retornados» vindos de África, aí colocados temporariamente).
Lisboa assemelhava-se por vezes a um fóssil, com muita da sua aparência e das
suas infraestruturas a evidenciar escassas mudanças em relação à era
Eduardiana. A democracia ainda vacilava, com os cartazes maoistas, espalhados
em toda a parte, a induzir em erro. A esquerda democrática tinha ganho de forma
absolutamente decisiva no momento em que chegámos (apesar de a televisão ainda
estar a mostrar programas da Alemanha de Leste sobre tractores e de as salas de
cinema estarem a passar pornografia ocidental com uma década de atraso).
O país era, em suma, fascinante,
amável, mas ainda muito pobre.
Estivemos numa conferência de
reencontro 25 anos mais tarde e Lisboa, para ser sincero, decepcionou-me um
pouco: mesmo que encantadora, tinha-se tornado numa cidade europeia normal. Mas
essa normalidade significava, como todos na altura reconhecemos, uma coisa
maravilhosa: Portugal tinha emergido de uma longa e conturbada história para se
tornar parte do patamar elementar de decência do Modelo Social Europeu.
E é tudo isso que está agora ameaçado.
Às vezes encontro europeus que dizem
que as minhas duras críticas à troika e às suas políticas significam que eu sou
anti-europeu. Pelo contrário: o projecto europeu, a construção da paz, da
democracia e da prosperidade através da União é uma das melhores coisas que já
aconteceu à humanidade. E é por isso que as políticas erradas, que estão a
fragmentar a Europa, são uma enorme tragédia.
D’A ESTANTE (tradução) de Nuno Serra
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