O constitucionalista Jorge Miranda afirmou que a diminuição retroativa de pensões contributivas é "manifestamente inconstitucional" e uma "violação do princípio da proteção da confiança e do direito de propriedade".
O ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Luís Marques Guedes, disse ter visto a entrevista do secretário de Estado da Administração Pública, que suscitou protestos da Frente Comum dos Sindicatos da Função Pública, da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados e do PS e sustentou que Hélder Rosalino falou numa diminuição retroativa das pensões dos funcionários públicos "no plano das hipóteses".
O professor catedrático das Faculdades de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Católica ressalvou não conhecer a proposta mas sublinhou que "nas pensões contributivas dos funcionários públicos não se pode admitir que se venha retirar aquilo que as pessoas deram". "Qualquer esquema desse género, de aplicação retroativa aos já aposentados de qualquer regime restritivo das pensões a que têm direito, é manifestamente inconstitucional, é violação do princípio da proteção da confiança e até do direito de propriedade, porque as pessoas contribuíram, deram dinheiro, em larga medida é dinheiro das pessoas", sustentou.
"Tenho dificuldade em admitir que o Governo vá para a frente com uma ideia desse género", acrescentou Jorge Miranda.
Por outro lado, o professor de Direito criticou "pensões de titulares de cargos políticos", não contributivas, "que continua a haver e são escandalosas". "Aí é que eu gostaria de ver manifestações de solidariedade com as pessoas a renunciarem a essas pensões, mas ainda há dias vi um antigo deputado a reclamar por uma dessas pensões", referiu, numa alusão ao socialista Vítor Baptista, antigo deputado do PS e governador civil de Coimbra.
Miranda considerou ainda que a sociedade vive atualmente "uma erosão de valores éticos e de solidariedade intergeracional".
Constitucionalistas e sindicatos não têm dúvidas. Provedor de Justiça também acredita que medida será chumbada pelo TC.
Uma das vozes é a do constitucionalista Bacelar Gouveia, para quem o corte, a ser definitivo e retroativo, pode chumbar no crivo do Tribunal Constitucional (TC).
Para a Frente Comum dos sindicatos da função pública, a medida é inconstitucional.
O próprio Provedor de Justiça tem dúvidas e admite que o corte possa ser sujeito ao aval do TC.
Primeiro-ministro avisa que os cortes não se farão nas pensões futuramente pagas, mas naquelas que já "estão a pagamento", que tenham iniciado o seu regime contributivo antes de 2005.
Perante a insistência do líder socialista, o primeiro-ministro admitiu a retroatividade das pensões, que sem usar o termo "retroatividade", admitiu baixar as pensões dos funcionários públicos, que tenham iniciado o seu regime contributivo antes de 2005, que já "estão a pagamento". "Evidentemente", sentenciou o primeiro-ministro.
Esta possibilidade - da retroatividade dos cortes das pensões da Caixa Geral de Aposentações - tinha sido admitida pelo secretário de Estado da Administração Pública, Hélder Rosalino.
"A partir de 2005", afirmou o primeiro-ministro, as pensões estão asseguradas "para o futuro", mas, disse depois, "não está para aqueles que hoje são pensionistas da CGA".
Os 2 partidos da maioria omitiriam o tema nas intervenções dos dois líderes parlamentares, Luís Montenegro, do PSD, e Nuno Magalhães, do CDS.
O primeiro-ministro, Passos Coelho não negou a possibilidade de existência de retroatividade no regime de pensões dos funcionários públicos, como consequência da convergência entre os regimes público e privado.
O secretário-geral socialista disse que a medida era “inaceitável” e que tinha sérias dúvidas sobre a sua constitucionalidade. “O senhor primeiro-ministro terá o PS pela frente”, garantiu.
Também Jerónimo de Sousa, do PCP, e Catarina Martins, do BE, insistiram no tema da convergência das pensões, lembrando a possível inconstitucionalidade da ideia.
Como seria de esperar, os pareceres dos constitucionalistas (e não só) começaram a emergir, logo depois da boca (de um governante) sobre cortes nos montantes das pensões e das reformas, mesmo “no plano das hipóteses”, não só sobre os cortes em si, mas pela burla (jurídica) de se basearem numa eventual lei, com efeitos retroativos…
Para além da Frente Comum dos sindicatos da Função Pública (que não representa os reformados que já estão a receber), vem Bacelar Gouveia, o Provedor de Justiça e Jorge Miranda (que traz à liça as escandalosas pensões de titulares de cargos políticos…) chamar a atenção do governo para a inconstitucionalidade de tais medidas e espera-se que outros se juntem, para que o governo não diga que não foi avisado. Estes pareceres vieram a público no dia anterior ao Debate Quinzenal na AR.
Entretanto pode ser que apareçam outros (haverá?), que defendam esta aberração jurídica, que qualquer leigo conhece e reconhece, e se tiver uns aninhos de vida lembrar-se-á de que Marcelo Caetano começou a ser “deposto” com uma medida sobre a fusão de bancos, com retroatividade…
Pelo que se constata, na AR, Passos Coelho contrariou liminarmente a interpretação de retroatividade feita pelo seu ministro Marques Guedes, garantindo que os cortes serão mesmo feitos retroativamente (mesmo avisado das inconstitucionalidades), garantindo (imagine-se!) que haverá dinheiro para os futuros reformados (em 2035, será vidente?) e que não haverá, entretanto, para os que estão a receber e que confiaram ao Estado as parcelas exigidas pelas leis em vigor, no tempo… Dito assim, até parece que já não são apenas cortes, mas tudo. Ui, que medo!
Logicamente que o PS, o PCP e o BE disseram estar contra e avisaram o PM da inconstitucionalidade, depreendendo-se que tomarão as medidas para que o “aborto” passe pela incubadora do TC… Logicamente!
Logicamente que o PSD e o CDS sobre o assunto nada disseram, o que pode traduzir-se por concordância com a oposição, opondo-se…
Mas atenção, que estamos a falar de políticos, o que quer dizer que o que dizem não é o que fazem e o que fazem não é bem o que dizem. Manuela Ferreira Leite disse que a avançar tal medida, seria o fim da coligação, com base na coerência das palavras de Paulo Portas, como se ele tivesse dito que estava contra os cortes dos pensionistas e reformados… Mas o que o líder do CDS disse, é que discorda frontalmente da proposta anunciada por Passos Coelho de impor uma contribuição aos pensionistas e reformados (chamada TSU), sem se referir aos cortes, dizendo até que estava a favor da “convergência” entre os sistemas Público e Privado. O Portas sabe muito e quer muito mais…
Voltando a Jorge Miranda, quando diz que tudo isto seria uma violação do princípio da proteção da confiança, é preciso lembrar que confiança o governo já não tem nenhuma (nem mesmo do seu partido), pelo que é possível que o tente fazer e quanto à violação do direito de propriedade, de que mais provas precisamos para concluir que os “esticões” são a toda a hora e nunca fizeram outra coisa, com a originalidade de agora quererem fazê-los aos velhotes, que não podem correr atrás deles?
Mas podem corrê-los! Ai podem, podem!
Estejamos vivos, que outros hão-de ir à frente…
Nota – Estou a ouvir os noticiários nas TVs e estranho que estejam a anunciar as medidas como se já estivessem decididas (no Debate Quinzenal?) e prontas a vigorar, ficando-me a dúvida se os senhores jornalistas não conhecerão os trâmites do processo legislativo ou se estarão a colaborar no processo manipulatório de que o governo é “useiro e vezeiro”. Está tudo doido ou comprometido?
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