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sexta-feira, 19 de abril de 2013

E ainda dizem que é uma campanha contra os políticos

A França divulgou detalhes sobre patrimónios pessoais do primeiro-ministro e ministros na internet. Especialista aponta tendência mundial para maior clareza, mas o défice nesse tópico ainda é generalizado, de Mianmar à Alemanha.
Na noite de 15 de abril, o primeiro-ministro francês, o socialista Jean-Marc Ayrault, e os seus 37 ministros divulgaram no site oficial do governo dados detalhados sobre as suas finanças e bens – ou seja, todos os imóveis, poupanças, joias, ações ou automóveis que possuem. A iniciativa veio em resposta ao recente escândalo em volta do ex-ministro do Orçamento, Jérôme Cahuzac, que mantinha uma conta bancária secreta no estrangeiro.
A oposição conservadora criticou duramente a divulgação online, alegando tratar-se de uma manobra para desviar a atenção do caso Cahuzac. A ambivalência quanto à medida também se refletiu nos dois principais jornais do país: enquanto o Libération anunciava "O fim de um tabu", o Le Figaro denunciava "o strip-tease da República".
Escândalo como catalisador
Segundo os dados publicados, o património de Ayrault seria de cerca de 1,55 milhões de euros – só as 2 casas que possui no oeste da França somam 1,2 milhões de euros. O ministro das Relações Exteriores, Laurent Fabius, declarou bens no valor de mais de 6 milhões de euros, incluindo uma apartamento em Paris (2,75 milhões de euros), 2 casas de campo, e participação na casa de leilões Piasa, no valor de mais de 1 milhão de euros. Durante certa época circularam boatos de que Fabius possuiria uma conta secreta no estrangeiro.
O presidente François Hollande não teve que revelar o seu património, pois já o fizera ao assumir o cargo, em maio último. Segundo estes dados, possui imóveis no valor total de 1,17 milhões de euros, assim como um seguro de vida de 10 mil euros. Fontes do Palácio Eliseu afirmam que esses valores praticamente não se alteraram desde então.
O escândalo protagonizado por Jérôme Cahuzac lançou o governo da França, socialista, numa profunda crise. Afinal, durante a sua campanha eleitoral, Hollande prometera uma república irreprovável, em contraposição ao governo dos seus antecessores, conservadores. Durante meses, o ministro do Orçamento – que era considerado um pilar do governo e renunciou em março – vinha a mentir ao público francês sobre a conta secreta que há 20 anos mantinha no estrangeiro.
No futuro, Paris quer obrigar todos os deputados e senadores a declararem publicamente o seu património pessoal. Na próxima semana, o gabinete planeia aprovar um projeto de lei em prol de mais transparência e moral na política francesa.
Alemanha longe do ideal
Se depender das normas vigentes, a Alemanha encontra-se bem longe do ideal de transparência financeira total. Os deputados devem declarar toda a fonte de rendimentos acima de 1.000 euros por mês, ou de 10.000 euros por ano. No entanto, não precisam indicar a quantia exata, mas apenas uma de três categorias de ganhos em que se enquadram.
A primeira e a segunda abarcam quantias menores, na casa dos milhares, enquanto na categoria 3 estão todas as entradas únicas ou regulares acima de 7.000 euros. Assim, quer um político receba 7.001 ou 70.000 euros por uma palestra, segundo as regras atuais, só precisa indicar "categoria 3".
O Bundestag (câmara baixa do Parlamento) reconheceu a insuficiência desse mecanismo e, a partir do 2.º semestre de 2013, os deputados alemães terão que declarar todos os ganhos até 250.000 euros, divididos em 10 categorias. O rastilho dessa mudança na regulamentação foi o candidato social-democrata à chefia de governo, Peer Steinbrück, que vinha a receber somas excessivamente elevadas pelas suas palestras.
Salve-se quem puder no Reino Unido
No Reino Unido, o elemento deflagrador para uma reforma das regras de transparência patrimonial foi outro. Em 8 de maio de 2009, o jornal Daily Telegraph publicou as primeiras informações secretas sobre como os políticos fraudavam os seus gastos.
Deputados de todos os partidos britânicos vinham, por exemplo, embolsando os custos de residências secundárias em que não moravam ou que nem sequer existiam, ao mesmo tempo que mandavam reformar as suas casas reais com o dinheiro dos contribuintes.
"Para muitos, o escândalo dos gastos dos parlamentares foi um evento decisivo da recente história política britânica", observa Daniel Hough, estudioso da corrupção da Universidade de Sussex. "A severa crítica ao sistema político fez muitos deputados refletirem sobre o real sentido da atuação política."
Atualmente o país possui um novo órgão encarregado de fiscalizar as faturas dos políticos, além de um conjunto de regras progressistas. "No Reino Unido, os parlamentares têm que tornar públicas as suas fontes de rendimentos paralelos, até ao último euro e centavo", explica o ativista Timo Lange. Esse grau de transparência é algo que a sua organização, a Lobbycontrol, gostaria de levar para a Alemanha.
Clareza escandinava
Também noutras partes do mundo se sonha com clareza. Em Mianmar, no sudeste asiático, os deputados reivindicam uma lei anticorrupção nos moldes da Malásia e de Singapura. "Logo que ela esteja em vigor, essa lei vai exigir dos detentores do poder que expliquem como chegaram à sua riqueza", diz o deputado Thein Nyunt.
A região onde há maior transparência sobre este assunto é possivelmente o norte da Europa. "Nos países escandinavos, por exemplo, há a possibilidade de se ter acesso às declarações de impostos dos rendimentos de todos os cidadãos, durante um certo espaço de tempo", menciona o líder dos social-democratas no estado da Baviera, Florian Pronold, que afirma agir, ele próprio, como um "deputado de vidro", em relação a assuntos financeiros. "Acho que nunca haverá essa tradição na Alemanha", prossegue, pois as culturas políticas são muito diversas. Ainda assim, ele acredita haver uma tendência mundial no sentido de maior transparência. "É irreversível a tendência de cidadãos e cidadãs realmente ficarem a saber quanto os seus deputados recebem, e se exercem atividades paralelas", resumiu.

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