"Na história do Fundo Monetário Internacional (FMI), há mais insucessos do que sucessos", afirma João Ferreira do Amaral, professor catedrático do ISEG. "O FMI falhou na sua missão de apoiar a economia mundial e alguns países em particular, caso de Portugal e da Grécia", disse também Sargon Nissan, especialista em políticas do FMI no Bretton Woods Project, um think tank norte-americano.
Pedro Araújo
Portugal é simultaneamente apontado como bom e mau exemplo das políticas do FMI. "Nos anos 80 fomos um sucesso para o FMI", refere Ferreira do Amaral. O esforço feito passou sobretudo pela política de rendimentos, com uma forte quebra dos salários em termos reais a partir do primeiro acordo com o FMI, em 1977 (apenas interrompida nos anos 1980 e 1981), e pela política cambial, isto é, forte desvalorização real da moeda portuguesa que mais do que compensou o crescimento dos preços e custos acima do exterior. Estas medidas deram, portanto, competitividade aos produtos nacionais. Hoje, o país não tem moeda própria nem política monetária autónoma, dois instrumentos que eram fundamentais para o FMI.
Segundo Ricardo Reis, professor de Economia na Universidade de Columbia, em Nova Iorque, a receita típica do FMI para um país com um enorme fardo de dívida passa pela consolidação fiscal, pondo as contas públicas em ordem, e corrigindo o défice externo, para que o país deixe de depender de financiamento exterior. É também necessária uma expansão monetária imediata, seguida de estabilidade, mas de forma a desvalorizar a taxa de câmbio, para ajudar as exportações e ao mesmo tempo reduzir o fardo da dívida externa, estimulando assim a economia.
"Sem a expansão monetária, porque não temos moeda própria, o ajustamento do défice externo é mais difícil. A dívida permanece alta pelo que são precisos mais sacrifícios [aumento de impostos, por exemplo] para a pagar, e por fim a economia, sem o estímulo monetário, cai numa contração maior, pondo em risco todo o processo de consolidação orçamental. Estes 3 riscos estão agora à vista em Portugal", explica Ricardo Reis.
Joseph Stiglitz, Nobel da Economia, lembra que a figura inspiradora do FMI foi Keynes. Daí que inicialmente a instituição, criada em 1944, fosse favorável a políticas expansionistas, com forte intervenção de dinheiros públicos. O objetivo era proporcionar liquidez através de empréstimos para aumentar a procura interna.
No entanto, o perfil das intervenções externas do FMI cedo mudou. A viragem pode ser localizada nos chamados Planos de Ajustamento Estrutural, muito aplicados a partir de 1982 nos países da América Latina, então a braços com uma crise da dívida, tal como acontece agora com os países do euro, salvo as devidas diferenças. Durante a década de 70, o crédito barato e abundante tinha estimulado o endividamento dos países latino-americanos, como aconteceu com Portugal e outros países após a criação do euro (1999). O objetivo da correção era restabelecer os equilíbrios da balança de pagamentos e permitir, desse modo, que estes pagassem a dívida. Agora, o objetivo já era reduzir a procura interna para cortar nas importações, com redução do défice orçamental, congelamento de salários, corte na despesa pública e, por exemplo, aumento de impostos. As semelhanças com a Europa atual param por aqui, à parte da liberalização de alguns sectores e incentivo às exportações. A grande diferença é que se recorreu, naquela altura, à desvalorização da moeda.
"O FMI é hoje muito diferente do que era defendido pelas instituições de Bretton Woods. O objetivo inicial era estabilizar e impulsionar o crescimento das economias. Penso mesmo que a participação do FMI - organização onde os EUA têm óbvia influência e poder de veto - no resgate a países da zona euro não faz sentido. Note-se a dificuldade que a instituição tem em lidar com políticas de ajustamento em países sem moeda própria. Sobretudo nos casos grego e português, as intervenções estão a ser um desastre", alerta João Ferreira do Amaral.
Mas quais são afinal os grandes insucessos do FMI?
Na opinião de Ricardo Reis, nos últimos 20 anos, Argentina (1994-2001), Rússia (1992-98) e Tailândia (1997-2000) terão sido os grandes fracassos.
A Argentina, inicialmente porque apoiou a paridade do peso com o dólar até demasiado tarde, e posteriormente porque se deixou enganar pelos Kirchner [Cristina Kirchner é a atual presidente, antes foi o marido, Néstor].
A Rússia porque não é claro que a intervenção do FMI tenha melhorado qualquer coisa em todo o processo.
A Tailândia é representativa da crise asiática, onde o FMI demorou tempo de mais a perceber que o fulcro da crise estava no sector financeiro e porque não permitiu medidas mais agressivas de controlo das contas externas, ao mesmo tempo que focava demasiada atenção em reformas estruturais com ligação ténue à crise.
Já todos constatamos que as receitas não ajudam à cura da maleita, mas também já testemunhamos que se insiste nos mesmos médicos, que não sendo especialistas da área e à falta de melhor e mais barato remédio amputam, naco aqui, naco acolá, até o doente não poder viver por si e condená-lo a usar próteses (importadas)…
E são economistas a falar de economistas… Eles que se entendam!
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