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sexta-feira, 17 de agosto de 2012

E nós é que somos “preguiças” subsidiodependentes!

"Pobre mas sexy", a capital alemã é um centro criativo e vanguardista e vive dos subsídios pagos pelos outros 'Länder'. Para a população de Berlim ser assalariado é uma angústia e o subsídio universal uma esperança. Retrato mordaz traçado pelo bloguista Don Alphonso.
O meu amigo H. sente-se angustiado, porque chegou a uma idade crítica e está a aproximar-se o momento em que a economia real o incluirá na categoria dos "trabalhadores idosos". No entanto, em Berlim, com alguma habilidade, é possível chegar a meio da casa dos 40 anos sem nunca ter exercido uma atividade regular. H. não faz parte da massa de eternos adolescentes que montam projetos gratuitamente: trabalhou nos meios de comunicação. Quando o conheci, em Berlim, há cerca de 8 anos, H. vivia sem pensar no futuro e gastava sem fazer contas.
Hoje, é dono de bens imobiliários, retomou os estudos e sente-se angustiado. E, por se sentir angustiado, defende a criação de um subsídio universal. Este permitir-lhe-ia viver com maior liberdade, afirma. E evitaria que todos os outros sofressem a opressão de trabalhar em troca de um salário miserável. Para si, o subsídio universal seria uma libertação de ordem psicológica. Continuaria a trabalhar a sério. Quer simplesmente libertar-se do medo irracional que sente.
Uma ameaça para o Estado social
1.000 euros líquidos: é o mínimo necessário para se viver um mês, em Berlim. É o que se ouve dizer. Por mais poupado que se seja, será preciso que alguém – o Estado, o patrão, a família ou os amigos – arredonde as contas.
A wiki de Christian Heller, pioneiro da era digital, permite fazer uma ideia, quase ao cêntimo, do número de dias que um jovem se pode aguentar, alimentando-se apenas de chocolate, espetadas de frango e sopa instantânea. Quando a entrada de dinheiro é maior que o previsto, é altura de comprar os novos produtos da Apple e de publicar entradas no Twitter. Quando já não há entrada de dinheiro, discute-se na Internet se será melhor tentar esquecer com erva ou com cerveja. A rotina profissional da geração dos pais é um modelo degradado – é o que se pensa.
Secretário-geral do Partido Pirata e natural de Berlim, Johannes Ponader está familiarizado com este tipo de postura. As opiniões sobre a sua pessoa divergem e ele próprio considera-se como "alguém que faz mexer os segmentos da sociedade". Outros consideram-no uma ameaça ao Estado social. Porque Johannes Ponader não é apenas um defensor inflamado do subsídio universal: chegou ao cargo que ocupa por ter prometido ao partido dedicar 40 horas semanais do seu tempo a esta atividade não remunerada. Apesar de o subsídio de desemprego de longa duração ter sido instituído para incitar as pessoas a regressarem rapidamente ao mercado de trabalho, Johannes Ponader considera-o uma ajuda financeira destinada ao partido. "O Estado paga-me para eu poder viver e o meu compromisso político é consequência do facto de viver."
Berlinenses versáteis e oportunistas
O facto de ouvirmos esta posição do Partido Pirata sobretudo em Berlim talvez tenha igualmente a ver com o estado em que a cidade se encontra: Berlim (des)funciona desde 1945 com base no princípio do subsídio universal ou, para utilizar a expressão corrente, da "repartição dos recursos entre os Länder".
Quer se trate do aeroporto de Berlim ou dos escândalos que envolvem bancos regionais, dos comboios suburbanos ou da incapacidade da cidade de tornar as ruas praticáveis no inverno, Berlim vive num estado permanente de insolvência não declarada e depende, ano após ano, de transfusões dos Länder mais ricos, cujo desempenho e cuja produtividade de "pequeno-burgueses" são olhados de alto: o filósofo da era digital Michael Seemann escreveu um artigo que falava do "sistema de valores de uma sociedade obnubilada pelo desempenho e afogada numa ética protestante do trabalho". Considerada ultrapassada, a província é desdenhada – o que, no entanto, não a isenta de ter de pagar a contribuição para a sua agitada capital.
No seu excelente romance Mandels Büro [O escritório Mandel, não traduzido em português], Berni Mayer traça o retrato dos berlinenses versáteis e imobilistas. Os heróis do livro perdem os seus meios de subsistência e decidem tentar a profissão de detetive, mas veem-se rapidamente ultrapassados. A maior parte das suas tentativas não dão em nada e todos estes pequenos fracassos acabam por destruir a amizade que os une e por a transformar numa mera coabitação sem compromisso. O único elemento realmente fiável do romance é o Audi A8 amarelo, fabricado na Baviera. As convicções, as relações humanas e os sentimentos são apenas moeda de troca. A Berlim do romance é uma "bad bank" cínica, na qual toda a gente espera o próximo plano de salvamento para receber o seu dinheiro e recomeçar tudo de novo. E, se este não chegar, procurarão outra coisa.
Uma cidade em pousio
Veja-se o caso de Sascha Lobo. Depois dos seus insucessos na nova economia, este bloguista alemão quis abrir uma empresa de promoção de blogs, com o objetivo de profissionalizar a blogosfera alemã. Essa empresa funcionou tão bem como os comboios suburbanos de Berlim. Sascha Lobo iniciou-se na escrita, com textos que, por exemplo, apresentavam o Second Life como um modelo comercial. Foi publicado um romance sobre as suas experiências na nova economia mas, a menos que queiramos ser maus, mais vale não falar das pessoas da editora Rowohlt. No entanto, Sascha Lobo comparece sempre nos congressos e explica ao seu público até que ponto está atrasado face a um futuro que será digital.
Toda a gente quer seguir as pisadas de Sascha Lobo, ter, como ele, um lugar ao sol e na Spiegel Online [na qual escreve crónicas], toda a gente quer escrever apresentações ou fazer o que for preciso para chegar aos tais 1.000 euros mensais, enquanto espera a instituição do subsídio universal.
O meu amigo H. falou-me das suas angústias e do subsídio universal, quando nos encontrámos no sul da Alemanha, antes de partir para Itália. Em Hall [perto de Innsbruck], falámos de bolos e de bacon no sul do Tirol. Por último, quando chegámos à margem do Lago de Garde, discutimos se ele poderia deixar de viver em Berlim, depois de ter vendido os seus bens imobiliários. Se não poderia, simplesmente, ficar à beira do lago e fazer qualquer coisa que soubesse realmente fazer. Talvez isso fosse uma maneira de exorcizar o medo e de levar este apóstolo do subsídio universal a abandonar aquela cidade deixada ao abandono, mas que sabe muito bem quem deve meter a mão no bolso para arredondar os 1.000 euros.

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