Enquanto atletas de todo o mundo se preparam para o início dos Jogos Olímpicos, a 27 de julho, os londrinos queixam-se de graves problemas de trânsito e atrasos nos transportes públicos, para além de uma presença prepotente de meios de segurança.
Há dias, em inquéritos aleatórios, ao perguntar às pessoas "Como se sente com [os preparativos para] os Jogos Olímpicos?", obtiveram-se respostas que foram de um riso amarelo, a palavras como "fiasco", "desastre" e "estado policial", bem como explicações detalhadas sobre a normal ida para o trabalho, a atual ida para o trabalho e o que isso lhes complica a vida.
"No fim do dia, é uma dor nas costas", comentou Steve Rogers, capataz num estaleiro de obras, enquanto fumava um cigarro, perto da estação de Victoria. Especialmente dolorosas, segundo ele, são as alterações nos trajetos de metropolitano ("uma balbúrdia absoluta"), os encerramentos de ruas ("um pesadelo completo") e o facto de, em vez de criar empregos na construção civil para os britânicos, as Olimpíadas terem dado trabalho a "um bando de lituanos, romenos e checos".
Mesmo quando tudo corre bem, a lamúria – como os britânicos chamam à persistente resmunguice que é a sua resposta-padrão aos desafios da vida – faz parte da maneira de ser nacional, é parte integrante do caráter do país, que se reflete por exemplo na atitude depressiva em relação ao estado do tempo ("Começam preparativos para inundações”, preconizava recentemente The Daily Mail).
Um exército nas ruas
Mas mesmo tendo em conta o tradicional exagero, o presente mal-estar tem um tom diferente. "Estamos a assistir a algo que ultrapassa a busca de consolo dos britânicos nas suas suaves lamentações", considera Dan Hancox, escritor independente. "As Olimpíadas estão a hostilizar ativamente as pessoas." No Twitter, Hancox defendeu que, para os londrinos, "é como se alguém estivesse a dar uma festa em nossa casa, cobrando bilhetes caríssimos para se participar, e nos trancassem a todos na cave”.
"A infraestrutura viária está fechada ao ponto de parecer que estamos a ser preparados para um conflito militar", disse, numa entrevista. "Estão a avisar as empresas para armazenarem produtos, aconselhando as pessoas a ficar em casa, não sair, não andar de metro, permanecer sentadas na sala – como se fosse para sua própria segurança. Temos um exército nas ruas. Estamos a viver em pé-de-guerra, coisa com que, após 60 anos de paz, o povo britânico não se sente à vontade."
Os meios de comunicação contribuem para a sensação geral de insatisfação. The Daily Mail publicou artigos dando conta de que há centenas de milhares de bilhetes ainda por vender, que ninguém quer ver mulheres a jogar futebol e que algumas pistas para a competição de “mountain bike” não vão ficar concluídas a tempo.
"Desorganização da segurança pode causar o caos entre os espectadores", diz o jornal, esta semana, ao lado de um artigo com o título "Sistema de transportes de Londres volta a falhar".
Muitos londrinos consideram que estão a ficar com o pior das Olimpíadas – os custos, os incómodos, os funcionários que os impedem de fazer coisas ou de ir a certos lugares –, sem nenhuma das vantagens. A empresa de segurança contratada pelo Governo a peso de ouro provou ser altamente incompetente; os gestores da marca olímpica deixaram claro que ninguém, para além dos patrocinadores oficiais, tem autorização para tirar partido da imagem dos Jogos.
Gabardinas e botas de borracha
"É como viver num Estado policial", declarou uma empresária, explicando que a sua empresa queria lançar uma campanha na Comunicação Social associada aos Jogos Olímpicos, mas foi alertada por advogados de que seria processada e multada se usasse as palavras “Olímpicos" ou “Olimpíadas”. “É por isso que não se veem quaisquer referências aos jogos, nas montras nem nas ruas – as pessoas estão cheias de medo."
Para além disto, e se não parar de chover? Mesmo no decurso do verão mais chuvoso desde que há registos, caracterizado por chuvadas intensas e inundações, as autoridades continuam a dizer que esperam que a chuva pare antes do início dos Jogos. Não há nenhum plano de contingência; o Estádio Olímpico, onde terá lugar a cerimónia de abertura, não é coberto.
Sebastian Coe, comissário dos Jogos Olímpicos, disse esta semana que alguns dos locais onde vão decorrer os Jogos Olímpicos fora de Londres estão "tapados de água", e exortou os espetadores a usar gabardinas e botas de borracha. "Deixem-me recordar o óbvio de sermos um país do norte da Europa", afirmou Coe aos jornalistas.
Passeando perto da estação de Victoria, Linda Vaughn, de 68 anos, declarou-se perplexa com o bombardeio de mensagens aparentemente contraditórias: “Bem-vindo aos Jogos Olímpicos”, “Agora faça o favor de sair daqui”. "Continuam a dizer-nos para nos ‘anteciparmos aos Jogos’", recorda, referindo-se ao programa da cidade que pretende convencer as pessoas a fazer trajetos alternativos. "Mas ainda é um mistério por onde querem que vamos, principalmente porque nada se move em Londres na maior parte dos dias."
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