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sexta-feira, 22 de março de 2013

Os líderes europeus também não tem crédito (político)!

A crise em curso em Chipre ameaça desencadear uma corrida aos bancos a nível internacional e, em simultâneo, revela uma quebra de confiança entre Estados-membros da UE e a irritação do Norte da Europa perante aquele que considera um vizinho do Sul irresponsável, escreve um colunista britânico.
Os dirigentes europeus sabem sem dúvida que estão a correr um grande risco com o caso de Chipre. O perigo é óbvio. Depois de [toda a gente que tem dinheiro em bancos cipriotas ser forçada a suportar um golpe], os apreensivos detentores de depósitos de outras partes da Europa irão aperceber-se de que foi criado um precedente perigoso. [Na altura em que este artigo foi escrito, o Governo de Chipre propusera-se tributar todos os detentores de poupanças.] Em vez de correrem o risco, por menor que seja, de "cortes de cabelo" financeiros indesejados no futuro, os clientes dos bancos gregos, espanhóis, portugueses ou italianos poderão optar por levantar o dinheiro. Se isso começar a acontecer, a crise do euro estará de volta – com um caráter ainda mais grave.
Os responsáveis pelo plano para o Chipre esperam que os riscos de contágio sejam reduzidos. Consideram que os bancos espanhóis estão a recuperar e que a Grécia também foi afastada da beira do abismo. Não há motivos para os titulares de depósitos tirarem ilações do estranho caso de Chipre, cujos bancos estão cheios de dinheiro russo.
Talvez seja assim. No entanto, já não seria a primeira vez que os dirigentes da UE se enganavam neste tipo de cálculos. Na cimeira de Deauville, em setembro de 2010, anunciaram que os detentores de obrigações soberanas de países alvo de resgate iriam perder parte do seu dinheiro. O resultado foi um forte agravamento da crise do euro, quando os investidores começaram a exigir taxas muito mais altas para os empréstimos a países de risco aparente, como a Itália e Espanha.
Então, por que motivo – depois de todos os meticulosos esforços no sentido de limar os problemas do euro – terão os dirigentes europeus feito uma aposta destas em Chipre? A resposta é que também eles não têm crédito – crédito político.
Paraíso para o dinheiro russo
Este défice de crédito assume formas diferentes na Europa do Norte e do Sul. No caso dos dirigentes de países como a Alemanha, a Holanda e a Finlândia, havia a noção de que os eleitores e os respetivos parlamentos não iriam aprovar outro resgate – a menos que estes previssem pesadas sanções.
Chipre é um país pequeno e, por isso, os montantes necessários para o ajudar são relativamente pequenos – "só" €17 mil milhões. O problema é que o Chipre é também um exemplo especialmente evidente do défice elementar de confiança entre europeus do Norte e do Sul. Desde o início da crise que as histórias sobre corrupção no Sul enchem as páginas dos órgãos de informação alemães. Os eleitores alemães foram incentivados a acreditar que o seu dinheiro duramente ganho vai ser gasto para ajudar países corruptos.
O Chipre constitui um problema especialmente grave porque os seus bancos têm a merecida fama de serem um paraíso para o dinheiro sujo da Rússia. Na realidade, os montantes que têm "viagem de ida e volta" através do Chipre – entram na Rússia e voltam a sair – indicam que a máquina de lavar da banca cipriota tem estado a girar de forma descontrolada. Colocar na mira os titulares de depósitos superiores a €100 mil parece ser uma maneira eficaz de atingir o dinheiro ilícito russo. A decisão incompreensível e perigosa de cobrar imposto aos detentores de pequenos depósitos mostra até que ponto a compaixão se esgotou – mesmo face aos "pequenos" da Europa do Sul.
Em teoria, a chanceler alemã, Angela Merkel, e outros dirigentes europeus poderiam ter dito aos seus eleitores que tinham de engolir o sapo – e resgatar o Chipre, sem exigências –, porque a alternativa era o risco de uma corrida aos bancos europeus, que poderia levar à falência de bancos a nível interno. Mas a reação mais provável teria sido de mais cólera e incompreensão por parte do eleitorado.
Chipre com pouco crédito político
Os governantes de Chipre também contam com muito pouco crédito político no resto da Europa. Muitos dirigentes da UE mostraram-se profundamente relutantes em aceitar a adesão do Chipre à União, em 2004, sem que a ilha tivesse sido reunificada através de um acordo de paz. Mas a Grécia ameaçou vetar todo o alargamento da UE – bloqueando a entrada da Polónia, da República Checa e dos restantes países – se o Chipre não fosse admitido. Contudo, a história deixou um gosto amargo, em especial depois de os eleitores cipriotas gregos terem rejeitado o plano de paz de Annan. Por conseguinte, quando o Chipre se viu em sarilhos, o nível da água no poço da simpatia estava bastante baixo.
O principal problema continua, porém, a ser a disparidade de confiança e de culturas políticas entre a Europa do Norte e do Sul. Antes da crise, quando as coisas corriam bem, era considerado politicamente incorreto, ou mesmo xenofóbico, insinuar que os padrões de probidade na vida pública variam largamente em toda a Europa e que esse facto constitui um problema para uma organização empenhada numa "união cada vez mais estreita".
Contudo, neste momento, torna-se evidente que esta falta de convergência em matéria de confiança e de culturas políticas é pelo menos tão importante como a falta de convergência económica. Também é verdade que os alemães, os holandeses e os escandinavos têm os seus próprios problemas de corrupção na vida pública e que a caricatura que retrata toda a Europa do Sul como corrupta e preguiçosa é terrivelmente injusta.
Diferenças culturais
Apesar disso, é um facto que a evasão fiscal é comum em países como a Grécia e a Itália. O que sempre tornou difícil convencer os eleitores do Norte a resgatar o Sul.
Até uma observação informal confirma que as atitudes relativas aos dinheiros públicos variam enormemente. Há 2 anos, fui convidado para uma reunião de todos os embaixadores holandeses em todo o mundo. O almoço constava de uma série, não muito apetecível, de sandes e batatas fritas, para comer de pé. Aposto que, apesar de as finanças públicas da Itália ou da Grécia se encontrarem em pior estado, os embaixadores destes países comeriam melhor.
É uma história banal. Mas é este tipo de diferenças culturais que explica o motivo por que os europeus do Norte disseram "basta", quando se falou dos bancos cipriotas.
Se a Europa não conseguir criar uma convergência real dos padrões de vida pública, as disparidades em termos de confiança, resultantes das diferenças, poderão acabar por desagregar primeiro o euro e depois a própria UE.

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