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quarta-feira, 20 de junho de 2012

Se fosse só na Grécia…

“Isto, nós sabemos. Todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Todas as coisas estão ligadas.” - Carta do chefe Seattle
O impacto devastador da austeridade na população grega é um aviso de que a História não é uma subida interminável em direção ao progresso e ao iluminismo. As civilizações também podem colapsar, avisa Boris Johnson.
É uma das trágicas ilusões da raça humana acreditar que estamos na inevitabilidade do progresso. Olhamos à nossa volta e parece que vemos uma afirmação gloriosa de que a nossa espécie implacável de homo se está a tornar mais sapiens. Vemos barras de gelado da Snickers e bebés in vitro e dispositivos eletrónicos belíssimos nos quais conseguimos pintar com a ponta do dedo e – c’um raio – malas com rodas! Pensem bem: conseguimos pôr um homem na lua uns 35 anos antes de aparecerem as malas de rodinhas; e no entanto elas aqui estão. Substituíram completamente o velho tipo de malas, com uma pega que se usava para as arrastar ofegantes ao longo das plataformas.
Não são fantásticas? A vida parece impossível sem elas e não tardará a serem igualadas por muitos outros progressos – cura do acne, carros elétricos, malas elétricas – com os quais iremos fortalecer a nossa superstição de que a História é um roquete de sentido único, com um infindável click click click em direção ao nirvana da irmandade do mercado liberal democrático entre os homens. Não é isto que a História nos ensina, que a Humanidade está empenhada numa implacável ascensão?
Pelo contrário: a História diz-nos que a maré pode mudar de repente e inexplicavelmente e que as coisas podem mergulhar nas trevas e na miséria e na violência extrema. Os romanos deram-nos estradas e aquedutos e o vidro e os sanitários e todos os outros benefícios famosamente enunciados pelos Monty Python; de facto, talvez estivessem à beira de descobrir a malinhas de rodas quando entraram em declínio e desapareceram no século V d.C..
Independentemente da interpretação que se faça, tratou-se de uma catástrofe para a raça humana. Na Grã-Bretanha, o povo já não sabia ler nem escrever. A esperança de vida passou para os 32 anos e a população decresceu. O próprio gado era só pele e osso. Foi esquecido o segredo do hipocausto e os guardadores de porcos levados pelas frieiras construíram cabanas promíscuas nas ruínas das villas, espetando paus nos mosaicos. Na outrora animada cidade romana de Londres (por exemplo) não há vestígios de habitação humana, exceto uma misteriosa terra negra que talvez seja a relíquia de um lume, ou de um qualquer sistema primitivo de agricultura.
Prolongada humilhação política e económica
Passaram centenas de anos até que a população atingisse o nível dos romanos. Se pensarmos que este desastre não poderá acontecer outra vez, estamos a ser arrogantes e estamos a esquecer as lições do passado mais recente. Esqueçam os templos vazios dos Astecas, ou dos Incas, ou as reprováveis estruturas em colmeia da civilização perdida do Grande Zimbabué. Vejamos a nossa era: o destino dos judeus europeus, massacrados na geração dos nossos pais e avós, em obediência às ordens transtornadas de um governo eleito num dos mais civilizados países do planeta; ou a linha do horizonte das modernas cidades alemãs e choremos aqueles edifícios medievais reduzidos a cinzas num incontrolável ciclo de vingança. Sim, sempre que há retrocesso, o retrocesso pode ser rápido. Tecnologia, liberdade, democracia, conforto – pode ir tudo por água abaixo. Por mais complacentes que possamos ser, nas palavras do poeta Geoffrey Hill, “a tragédia tem-nos debaixo de olho”. Não há sítio onde isso seja mais evidente do que na Grécia de hoje.
Todos os dias nos chegam notícias frescas de horrores: de famílias burguesas, outrora orgulhosas, na fila do pão, de pessoas em agonia porque o governo ficou sem dinheiro para pagar os tratamentos do cancro. As pensões foram cortadas, os padrões de vida caíram, o desemprego aumenta e a taxa de suicídio é agora a mais elevada da UE – depois de ter sido uma das mais baixas.
Não há dúvida de que estamos a ver uma nação inteira a passar por uma prolongada humilhação política e económica e, independentemente do resultado das últimas eleições parecemos estar determinados a piorar as coisas. Não existe um plano para a Grécia sair do euro, pelo menos que eu saiba. Nenhum líder europeu se atreve a sugerir tal coisa, visto que isso seria profanar a religião da União-Cada-Vez-Mais-Unida. Em vez disso, preparamo-nos para sermos coniventes com um plano para criar uma União Fiscal que (se fizer algum sentido) significaria o desmantelamento dos fundamentos da democracia ocidental.
Separação ordenada da zona euro
Este conceito da História de avançar em frente – a ideia de um progresso político e económico inexorável – é um conceito realmente moderno. Nos tempos antigos, era comum falar-se de épocas douradas perdidas, ou de virtudes republicanas esquecidas, ou do idílio que antecedeu o pecado original. Só há umas centenas de anos é que as pessoas passaram a ter uma interpretação “Whig” e, perante isso, pode ser-lhes perdoado todo o otimismo. Assistimos à emancipação da mulher, à extensão do franchise a todos os seres humanos adultos, à aceitação de que não deve haver regime fiscal sem representatividade e à aceitação geral de que as pessoas devem ter democraticamente direito a determinar o seu próprio destino.
E agora vejam o que está a ser proposto na Grécia. Para o euro se manter unido com pastilha elástica, estamos dispostos a massacrar a democracia precisamente no sítio onde ela nasceu. Para que serve que um eleitor grego vote a favor de um programa económico se esse programa for decidido em Bruxelas ou – na realidade – na Alemanha? Que significado tem a liberdade grega, a liberdade pela qual Byron lutou, se a Grécia ficar remetida a uma espécie de dependência otomana com a Sublime Porta baseada agora em Berlim?
Não vai dar resultado. Se as coisas continuarem como estão, vai haver mais infelicidade, mais ressentimento e uma possibilidade acrescida de que a carrinha das espetadas vá toda pelo ar. Um dia, a Grécia vai ser livre outra vez – no sentido em que continuo a pensar que é marginalmente mais viável que, aqueles que tomarem Atenas a seu cargo, vão acabar por encontrar uma maneira de restaurar a competitividade através da desvalorização, e deixando o euro – pela simples razão de que a confiança dos mercados no Estado-membro grego é como estoirar um saco de arroz de papel – difícil de reparar.
Sem uma resolução, sem clareza, receio bem que o sofrimento continue. O melhor caminho em frente seria a separação ordenada da zona euro numa velha zona euro e numa nova zona euro para a periferia. Com a hesitação todos os meses, adiamos a perspetiva de uma recuperação global ao passo que a solução aprovada – uma união política e fiscal – irá condenar o Continente a uma Idade Média democrática.

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