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domingo, 17 de junho de 2012

Os governos nacionais isolaram-se dos seus cidadãos

Os europeístas acreditam que Bruxelas é a cura para todos os males e os eurocéticos defendem que é a fonte de todos os males. Mas são assim tão diferentes uns dos outros?, pergunta o editor Brendan O'Neill, da revista Spiked.
Neste último ano, à medida que a crise do euro se foi intensificando, assistiu-se a uma revelação muito interessante – a de que europeístas e eurocéticos não são assim tão diferentes uns dos outros. Na verdade, ambos são movidos por impulsos muito semelhantes, por instintos antidemocráticos equivalentes.
Ambos parecem ansiosos por absolver a responsabilidade dos governos nacionais, a responsabilidade dos Estados-nação pelo caos político e económico.
A UE matou a democracia?
Os europeístas fazem isso por submissão a Bruxelas, apelando a que as instituições da UE intervenham mais para salvar a Europa. Os eurocéticos fazem-no culpando a UE por quase tudo o que está mal, tratando Bruxelas como uma espécie de Estrela da Morte, que sugou a decência de cada centímetro cúbico de Europa.
Os europeístas tendem a demonstrar uma fé cega na UE, vendo-a como a solução para todos os problemas, enquanto os eurocéticos manifestam uma antipatia cega pela UE, vendo-a como a causa de todos os problemas. O que têm em comum é a crença de que a responsabilidade é da UE. A representação da UE como salvadora da Europa e a sua representação como destruidora da Europa são sustentadas por uma tendência para afirmar: "Os governos nacionais não têm culpa do que correu mal."
Em resposta à pergunta "A UE matou a democracia?", eu diria "Não, não matou". A UE deve ser entendida como o produto final da morte da democracia na Europa, uma criação de governos nacionais que haviam abandonado as ideias de soberania e democracia. A UE vem na sequência do definhar da democracia europeia, não é a sua instigadora.
A verdadeira força motriz da UE ao longo dos últimos 40 anos foi a covardia e oportunismo dos governos nacionais, e não as ambições sinistras de Bruxelas ou de Berlim. Dirigentes políticos nacionais que se sentiam cada vez mais afastados das suas próprias populações inventaram uma instituição pós-soberana onde se podiam efetivamente acoitar.
Um bom exemplo disso surgiu no final de 1990, quando o Governo britânico aceitou a diretiva europeia sobre a redução da idade de consentimento para os homossexuais, de 18 para 16 anos. Era algo que o Governo já queria fazer; mas porque acreditava que seria controverso, autorizou a Europa a tomar a decisão em seu nome. A vantagem da UE é que permitiu aos governos tomarem medidas sem terem que se preocupar com um traiçoeiro debate público ou em assumir a sua responsabilidade moral.
Intocáveis e irracionais
Evidentemente, as desvantagens de tomadas de decisão isoladas são enormes e profundas. À medida que os governos nacionais se isolam mais dos seus públicos, mais incapazes se tornam de exercer uma liderança real. Quanto mais se refugiam em instituições da UE, mais intocáveis e irracionais se tornam.
Tivemos um primeiro aviso durante a erupção vulcânica da Islândia, em 2010, quando os dirigentes políticos entraram manifestamente em loucura, obrigando a manter os aviões em terra e colocando a Europa num impasse. Isso foi uma consequência direta do seu auto isolamento, com a posterior incapacidade de adaptação à realidade e de manifestação de liderança.
Os perigos do auto isolamento podem ser detetados ainda mais dramaticamente na crise do euro. Nenhum político na Europa tem o menor indício sobre como lidar com a crise. Pois todos os políticos da Europa passaram as décadas mais recentes a evitar tomar decisões graves, assumir responsabilidades, ser líderes. O crescimento da “perspetiva da UE", da noção de que a liderança política é demasiado difícil e de que é preferível uma tomada tecnocrática de decisões, agravou diretamente a crise do euro.
Mas onde os eurocéticos erram é ao tratarem Bruxelas como o único destruidor da democracia, como um animal enlouquecido que vai mastigando os patriotas britânicos, os agricultores irlandeses, os gregos pobres. Porque a dinâmica fundamental da formação da UE foi sempre entregar a autoridade política dos governos nacionais às instituições da UE e desfazer-se da sua própria soberania.
Atitude esquizofrénica em relação à UE
Os eurocéticos que apontam o dedo à “Malvada Bruxelas" não são muito diferentes dos europeístas que se curvam perante a “Bruxelas Boazinha”. Assistimos hoje ao surgimento de uma forma respeitável de euroceticismo.
Do Presidente Hollande da França ao Syriza da Grécia, muitos políticos acusam hoje Bruxelas de arruinar a Europa. Mas esses ataques a Bruxelas são também projetados para livrar os governos nacionais de responsabilidades. Quando Hollande apresenta a França como uma vítima das decisões da UE, faz o mesmo jogo dos governos que têm vindo a receber de forma calorosa as decisões da UE – tentar evitar que as suas instituições nacionais tenham de explicar o que aconteceu em França.
Esta atitude esquizofrénica em relação à UE tem a sua melhor ilustração na maneira como Angela Merkel é agora tratada. Quase começo a sentir pena dela. É descrita por alguns como uma bruxa de tipo hitleriano, que tem destruído a Europa. Mas é idolatrada por outros como a potencial salvadora da Europa, com dirigentes políticos a recorrer a ela para salvar a zona euro e as nações em dificuldades.
Isto demonstra uma atitude infantil não só em relação a Merkel, mas mais amplamente em relação à UE. O poder da União Europeia é visto como perigoso, tal como a sua inação. Alguns veem a UE como um destruidor de nações, outros acreditam que não está a fazer o suficiente para recuperar as nações. A forma como a UE e Merkel são agora tratadas recorda-me uma frase do [desenho animado] Homer Simpson, referindo-se à cerveja: "é a causa e a solução de todos os problemas da vida”.

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