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quinta-feira, 22 de março de 2012

Isto é o pós (da) democracia? Ou lixo democrático?

Numa UE em que se pretende mais democracia, os deputados europeus continuam sem cumprir o seu papel de representantes do povo. A culpa é do sistema comunitário que os priva de soberania, mas também da sua forma inadaptada de trabalhar.
O grupo de viajantes junta-se na Gare do Midi, em Bruxelas, de onde um enorme comboio fretado leva membros do Parlamento Europeu, assistentes e outros (incluindo jornalistas) para a sua casa alternativa, em Estrasburgo. Depois de, num único século, ter mudado cinco vezes de mãos entre a França e a Alemanha, a cidade mantém-se como um símbolo da reconciliação pós-guerra. Nestes dias, no entanto, a caravana mensal torna-se um símbolo gritante da capacidade de desperdício da União Europeia.
Carros com motorista transportam os eurodeputados entre o seu elegante complexo parlamentar e os hotéis e restaurantes da cidade, onde os preços são desavergonhadamente inflacionados para a ocasião. A maior parte dos eurodeputados detesta a interrupção. No entanto, pouco podem fazer sobre este sistema de duas sedes (a que se juntam as funções de apoio sediadas no Luxemburgo) consagrado em tratados que só podem ser alterados por unanimidade. Uma tentativa dos eurodeputados para cortarem uma das 12 sessões plenárias que se realizam, por ano, em Estrasburgo, levou a França a abrir um processo. Infelizmente, o Parlamento Europeu não é soberano.
Assim, a magna reunião de Estrasburgo convida a um duplo desrespeito. Primeiro, os custos extra da estadia em Estrasburgo, estimados em cerca de 180 milhões de euros (235 milhões de dólares) por ano, são escandalosos em tempos de grande austeridade. E segundo, porque o Parlamento é irrelevante quando se trata de procurar uma reparação legal. Isto ajuda a explicar o paradoxo: quanto mais poder tem o Parlamento, cada vez menos cidadãos votam na eleição dos seus membros.
A maior parte dos assuntos que interessam aos eleitores, como a saúde, a educação ou a segurança, são tratados pelos parlamentos nacionais. A UE trata, sobretudo, de misteriosas questões regulamentares. Mas esta é apenas uma parte da razão pela qual os eleitores não veem como é que a sua escolha de eurodeputados pode fazer alguma diferença. A legislação é proposta pela Comissão Europeia, a função pública da UE (liderada por um colégio de comissários que são nomeados). Depois, as leis têm de ser aprovadas pelo Conselho de Ministros (os governos selam acordos à porta fechada) e pelo Parlamento Europeu (onde as alianças mudam conforme o assunto em discussão). Os desacordos têm de ser resolvidos por conversações entre os três corpos. O sistema fornece muitos travões e contrapesos. Mas os eleitores não podem correr com os preguiçosos.
Parlamento não é solução mas parte do problema
Este problema crónico de falta de legitimidade democrática tornou-se mais aguda graças à crise do euro. Bruxelas ganhou novos poderes para vigiar os orçamentos nacionais e outros “desequilíbrios” possíveis. Foram impostas austeridade e reformas aos países resgatados da falência – Irlanda, Portugal e, sobretudo, Grécia. Mas a “governação económica” também se faz sentir noutros sítios. O primeiro-ministro de Itália, Silvio Berlusconi, foi substituído por um tecnocrata, Mario Monti. Poucos dias depois de ter tomado posse, o novo primeiro-ministro socialista da Bélgica, Elio Di Rupo, foi avisado de que tinha de fazer cortes orçamentais ou sofreria sanções. A Hungria acabou de saber que perderá 495 milhões de euros de ajudas para o próximo ano se não conseguir controlar o défice.
“Os governos começam agora a perceber quanto poder entregaram nas mãos da UE”, diz um eurocrata. Mas quem deve controlar esse poder? O Parlamento Europeu é um corpo imperfeito num sistema imperfeito. Pode compensar a perda de soberania nacional?
Há quem pense que sim. No mês passado, Mario Monti foi a Estrasburgo louvar o Parlamento pelo controlo apertado que faz (da omissão de que ele próprio já fez parte). Num artigo escrito com a eurodeputada francesa Sylvie Goulard, defende que a crise é sobretudo culpa das democracias nacionais. Angela Merkel, a chanceler alemã, fala de uma futura “união política” com um parlamento forte e também com um presidente da Comissão que seja eleito diretamente.
Para outros, o Parlamento não é a solução mas sim parte do problema. Recentemente, Jack Straw, antigo ministro dos Negócios Estrangeiros britânico, defendeu que o Parlamento Europeu devia ser abolido. O “défice democrático”, afirmou, resolvia-se melhor com uma assembleia de deputados nacionais do que com um corpo diretamente eleito. O Tribunal Constitucional alemão decidiu, em 2009, que o parlamento não tem as credenciais exigidas ao Bundestag para que lhe seja entregue o controlo orçamental, entre outras coisas. Assim, os eurodeputados podem influenciar a maneira como o dinheiro da UE é gasto, mas não sobre a maneira como é conseguido.
754 eurodeputados têm de ser podados drasticamente
O Conselho de Ministros olha para o Parlamento como para um adolescente truculento: os eurodeputados pensam que percebem melhor do que os ministros o interesse europeu; fazem bonitos discursos, comparam-se com o Congresso dos Estados Unidos da América, sem terem os mesmos meios; estão constantemente a pressionar para terem mais poder e mais dinheiro; e querem sempre mais Europa, independentemente do que possam pensar os eleitores. Os funcionários da Comissão também exprimem o seu desespero (em privado). Apesar de aliado frequente, dizem, o Parlamento Europeu tem o poder de demitir a Comissão, sem ter de pagar o preço pelas suas ações.
Não há uma solução absoluta para o problema de uma democracia num sistema que em parte é intergovernamental e em parte é federal. É difícil argumentar que Bruxelas precisa de menos democracia direta quando está a adquirir mais poderes. Os assuntos da UE são agora demasiado exigentes para poderem ser tratados em part-time. Olhemos para o vizinho de Estrasburgo do Parlamento Europeu, o Conselho da Europa (uma instituição mais velha e separada da UE): tem uma assembleia de deputados nacionais que reúne 2 vezes por ano, mas o seu trabalho é tão obscuro que os conservadores britânicos podem ser aliados do partido Rússia Unida de Vladimir Putin.
A legitimidade precisa de reformas, tanto a nível nacional como a nível europeu. Os 754 eurodeputados do Parlamento Europeu têm de ser podados drasticamente, bem como os seus altíssimos custos. O seu trabalho envolve demasiados acordos confortáveis entre as alianças dos grandes partidos europeus. Ou seja, os países continuarão a ser fundamentais para a UE, não importa quão longe vá a integração. O dinheiro e as competências da UE são conferidos pelos Estados. A legislação da UE é promulgada através dos Estados-membros. Acima de tudo, a política é sobretudo nacional. Por isso, os parlamentos nacionais têm de estar mais envolvidos no trabalho da UE, a começar por um maior controlo das suas políticas. O sistema dinamarquês, em que o Folketing (parlamento) aprova os mandatos negociais dos ministros antes de estes irem a Bruxelas, é disso um bom exemplo. Com todas as suas falhas, o Parlamento Europeu está cá para ficar. Todos a bordo do próximo comboio para Estrasburgo.
OPINIÃO - Um lóbi pró-europeu
No dia 15 de março, o Parlamento Europeu adotou uma resolução apelando “fortemente” ao primeiro-ministro holandês, o liberal Mark Rutte, que se afastasse do sítio de Internet de denúncia dos trabalhadores estrangeiros, lançado pelo Partido da Liberdade (PVV) de Geert Wilders. Os eurodeputados consideram que este sítio constitui um “ultraje aos valores e aos princípios europeus”No Volkskrant, Martin Sommer constata que Rutte foi
repreendido por uma grande coligação ativa que vai desde os comunistas aos conservadores. Mas não pensem que esta forte aliança foi criada para o sítio de Internet do PVV. É algo que se repete todos os meses.
O cronista lamenta que o Parlamento Europeu não se baseie nas regras democráticas habituais:
Não existe Governo nem oposição. Há apenas o Parlamento Europeu que toma a palavra face a si mesmo e ao resto do mundo. [...] Na ausência de luta democrática para obter uma maioria normal, este visa obter uma maioria absoluta, sendo que a ideia é que o Parlamento Europeu funcione para interesse da Europa, à exceção de alguns tristes eurocéticos.
O Parlamento Europeu, conclui Martin Sommer, funciona como “um clube de lóbi bem pago para defender a ideia europeia”.

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