Mais de 1 bilhão de pessoas vivem hoje com menos de 1,25 dólar por dia, nos países em desenvolvimento mais pobres. O número impressiona, mas "em 2010, a taxa de pobreza global registada foi metade da de 1990", ressalta Martin Ravallion, líder da equipe do Banco Mundial encarregada de estudar a pobreza global. As 8 "Metas do Milénio" da Organização das Nações Unidas tomam o ano de 1990 como base. Redução da pobreza, da fome, de doenças e um melhor acesso à educação, à saúde e ao desenvolvimento eram os princípios básicos do plano acordado pelos países membros da ONU em 2000.
Os números globais relativos à pobreza considerados pelo Banco Mundial vão apenas até ao ano de 2008, sendo os últimos disponíveis. Porém, a partir das estatísticas parciais já apresentadas, Ravallion ousa afirmar que a primeira Meta do Milénio - de reduzir a pobreza extrema e a fome a metade - já foi alcançada. São consideradas vítimas da pobreza extrema pessoas que vivem com menos de 1,25 dólar por dia.
Há mais de 20 anos, o Banco Mundial recolhe dados sobre o poder de compra e o rendimento dos mais pobres para estabelecer estatísticas confiáveis sobre a pobreza. Os números levam em consideração os preços e as moedas locais, de modo a que os valores de cada país possam ser comparados ao dólar.
Ravallion comemora os resultados mais recentes: "É a primeira vez que vemos uma redução geral da pobreza extrema em todas as seis regiões do Banco Mundial". Ele ressalta também o facto de, pela primeira vez, menos de metade da população da África subsaariana viver em condições de extrema pobreza.
Nicole Rippin, especialista em pobreza do Instituto Alemão de Política de Desenvolvimento (DIE, na sigla em alemão), vê com ceticismo a redução da pobreza. Referindo-se aos números de 2008, ressalva. "Dos 620 milhões de pessoas que, desde 1990, superaram a pobreza extrema, cerca de 510 milhões vivem na China", destaca. Por isso, ela refuta em falar de uma redução "global" da pobreza extrema, tratando-se, antes, de uma redução regional.
Segundo Rippin, o outro problema seria que o relatório do Banco Mundial se refere apenas ao poder de compra estatístico, número que não é necessariamente decisivo, no tocante à primeira Meta do Milénio. "A primeira meta é constituída, na verdade, de três submetas. A redução da pobreza para metade é a primeira delas. A segunda é o emprego em regime integral e condições decentes para todos, incluindo mulheres e jovens. A terceira é diminuir para metade, de 1990 a 2015, o número de pessoas que passam fome", explica.
Muitos especialistas questionam a definição de pobreza por trás das estatísticas. Eles afirmam que não seria possível medir a pobreza com 1,25 dólar, e que ela estaria ligada, sobretudo, ao acesso à alimentação, à educação e à saúde. Quem produz os seus próprios alimentos, por exemplo, pode viver melhor com 1 dólar por dia do que outros que, de acordo com as estatísticas, têm mais dinheiro à disposição, mas passam fome devido ao custo de vida elevado.
Com os preços dos alimentos em alta desde 2008, o número de pessoas subnutridas teria aumentado nos últimos anos, ressalta Ludger Reuke, da organização não governamental Germanwatch. Para ele, houve de facto uma redução para metade da pobreza, porém, os números já estão desatualizados, principalmente porque a crise financeira a partir de 2008 ainda não foi incluída nas estatísticas.
Pobreza persiste
"Para 2010, o número já não é mais válido, porque a quantidade de pessoas que vivem em extrema pobreza aumentou muito até então": assim o cientista político e antropólogo Reuke critica as estimativas do Banco Mundial.
A instituição financeira voltada para o desenvolvimento deixa claro no seu relatório que os dados utilizados não são atualíssimos, mas de 2008. Por isso, Ravallion também constata: "Mesmo que atingíssemos a Meta do Milénio, ainda haverá 1 bilhão de pessoas vivendo com menos de 1,25 dólar por dia. E isso é inaceitável."
É de salientar que nos últimos anos, também Ravallion é o primeiro responsável pelo Banco Mundial, que vem anunciar tão humaníssimo progresso, o que nos deixa com cócegas atrás das orelhas.
Basta ler devagar as opiniões dos dois especialistas nomeados para concluir que a conclusão é precipitada, ou melhor, atrasada. Se estamos em 2012 e a “realidade” estudada é até 2008, o máximo que se poderia afirmar é que em 2008, blá, blá, blá... Mas já nessa altura a ONU previa a impossibilidade de se atingir os ODM, como a partir daí começou a dar a certeza do insucesso por causa da crise e só o Brasil foi reconhecido como cumpridor das metas, que como se diz aqui, foi mais um sucesso regional.
Já várias vezes referi aqui a variedade de fórmulas “oficiais” que existe para medir a pobreza, que permitem várias e variadas leituras das estatísticas, que não anulam a realidade. E talvez seja tempo de se rever essas fórmulas e leituras da pobreza pelo crescente aumento de pobres nas regiões designadas de mais “ricas”, que despoletou, exatamente, a partir de 2008 e não se sabe até quando…
Mas como se sabe, os Objetivos do Milénio são 8 (1: Erradicar a pobreza extrema e a fome; 2: Atingir o ensino básico universal; 3: Promover a igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4: Reduzir a mortalidade infantil; 5: Melhorar a saúde materna; 6: Combater o HIV/SIDA, a malária e outras doenças; 7: Garantir a sustentabilidade ambiental e 8: Estabelecer uma parceria mundial para o desenvolvimento.) e as estatísticas só nos falam do 1º objetivo, o da pobreza (dinheiro), sem que quantifiquem os outros 7, tão ou mais importantes como o 1º e em que se tem verificado recessão, exatamente por não haver doações suficientes dos países em crise.
De resto, a vida não se reduz ao número de moedas no bolso, uma visão redutora do BM e do seu dirigente, que pode travar os esforços necessários para se alcançar os objetivos, quer da parte do próprio, quer da comunidade internacional.
Sempre com estatísticas a tentarem fazer-nos a cabeça!
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