“As pessoas escrevem a partir de uma necessidade de comunicação e de comunhão com os outros, para denunciar aquilo que machuca e compartilhar o que traz alegria. As pessoas escrevem contra a sua própria solidão e a solidão dos demais porque supõem que a literatura transmite conhecimentos, age sobre a linguagem e a conduta de quem a recebe, e ajuda-nos a conhecermo-nos melhor, para nos salvarmos juntos. Na realidade, a gente escreve para as pessoas com cuja sorte ou má sorte se sente identificado: os que comem mal, os que dormem pouco, os rebeldes e humilhados desta terra; que em geral nem sabem ler” (Eduardo Galeano, In: Vozes e crônicas. São Paulo: Global/Versus, 1978)
Nei Alberto Pies
Na condição de participante/espectador deste grande evento literário gostaria de referir a necessidade que temos de justificar a importância e o uso das palavras. Vivemos num momento histórico em que tudo parece ser passível de coisificação e preço, inclusive as obras da criação humana. Perdemos a noção do conceito de valor, atributo que só poderia ser conferido a quem cria e transforma o mundo e a humanidade: o próprio ser humano. E a literatura, por ser obra da criação humana, não tem preço, mas tem valor. Por isso mesmo ela deveria ser um produto cultural disponível e acessível a todos, independentemente de sua condição social, económica ou cultural. Deveria ser amplamente divulgada e apreciada como parte da nossa constituição de sujeitos sociais, da nossa cidadania e da nossa democracia.
Eduardo Galeano, no seu texto “Em defesa da palavra”, profetiza que a escrita não possui razões para se justificar solitariamente. A escrita, na sua visão “só pode ser útil quando coincide de alguma maneira com a necessidade coletiva de conquista de identidade”. Dito de outra forma, o escritor afirma o seu desejo de ajudar muitas pessoas a tomarem consciência do que são. Ele está a falar da função social que a literatura exerce sobre a vida de uma comunidade, a vida de uma nação. “Que bela tarefa a de anunciar o mundo dos justos e dos livres! Que função mais digna, essa de dizer não ao sistema da fome e das cadeias – visíveis ou invisíveis!”
As palavras morrem se não as colocarmos em movimento. E não serão os mais modernos meios de comunicação e entretenimento que tornarão mais disponíveis as obras literárias, criando a tão almejada cultura da leitura. As palavras escritas, contadas e recontadas, sobreviverão se formos capazes de viver o espírito literário da criação, da imaginação e da projeção de um mundo mais humanizado, mais solidário, mais cheio de alegria e mais vazio de tristeza e decepção. A literatura anuncia um mundo novo, criando ferramentas e habilidades capazes de nos fazer mudar a realidade que, de tão nua e crua, que parece nem sempre permitir a busca de soluções.
Por mais individualizados e egocêntricos que possamos ser, desejamos participar dos movimentos desencadeados pela arte e pela criação humanas. Seja nas relações interpessoais, nos eventos culturais, nos grupos sociais dos quais fazemos parte, estamos sempre a arrumar formas e jeitos de comunicarmos, de fazer as palavras circularem sentidos e impressões da nossa vida individual ou coletiva. Mesmo quando esta busca é individual, o processo envolve os outros, como no relato que segue: “Triste, tuitou "Sinto-me só!”. Setenta milhões retuitaram e novecentos mil responderam "Eu também!" (Cem toques cravados, Edson Rossatto)
Dá para pensar num mundo sem a literatura? Dá para ser feliz sem brincar com as palavras? Se não dá, deixemo-nos contagiar pelos movimentos que emergem da vida e das nossas palavras.
As palavras vão ficando sim!
ResponderEliminarE, ao menos, vamos desopilando o fígado!!
Se não servir para mais nada, desopila-se.
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