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terça-feira, 15 de julho de 2014

Supervisão: austeridade para uns e pirataria para “os outros”…

Há uma pergunta que vem inevitavelmente à conversa quando se fala da queda do Grupo Espírito Santo: como foi possível ter-se chegado a este ponto sem que ninguém se tivesse apercebido de nada? Ninguém, claro está, que não os autores da desastrosa gestão ou possíveis atos ilegais.
Pedro Marques Lopes
Como diabo empresas com enorme relevância pública, com donos que privam com primeiros-ministros e presidentes da República, com centenas de gestores qualificados, com dezenas de ex-ministros e secretários de Estado nos seus quadros, teoricamente observadas por técnicos altamente qualificados, auditadas por gigantescas multinacionais, com contas publicadas, algumas mesmo reguladas por entidades que se dedicam exclusivamente à supervisão de determinadas atividades, chegam a um ponto em que há uma espécie de implosão repentina, como se tudo estivesse bem à noite e desfeito de manhã?
Não é a primeira vez e não será a última, bem entendido. Noutros países bem mais desenvolvidos do que o nosso, com mecanismos de supervisão mais poderosos e competentes, com maior cultura de transparência, aconteceram situações similares e até piores. Mas nada disso altera a essência da situação: é fundamental a colaboração de muita gente e durante muito, muito tempo. É essencial que muita gente feche os olhos - e não ponho em causa que muitos não soubessem de facto o que se estava a passar. E não gente qualquer, muitos homens e mulheres que são referências para a comunidade: antigos ou futuros ministros, antigos ou futuros titulares de cargos públicos ou privados de enorme responsabilidade, organizações em que confiamos, instituições que, direta ou indiretamente elegemos, cidadãos que temos como exemplos a seguir, detentores de cargos que ambicionamos param os nossos filhos.
Este caso ultrapassa muito um simples fim de um grupo económico. Há aqui uma sensação de tragédia global, de cumplicidade generalizada, de perda de confiança no sistema. A fortíssima perceção de que existe um grupo de pessoas que se regem por regras menos rígidas do que as nossas. Que a minha mercearia pode fechar em 2 meses se eu não pagar os impostos devidos, mas um grupo de gente pode combinar acumular prejuízos gigantescos - que causarão falências em cadeia de empresas sérias, levarão a muito desemprego e podem até causar uma grave crise no País inteiro - durante anos e anos, sem que nada lhes aconteça. Nada pode ser mais letal para uma comunidade do que a convicção de que as regras não são iguais para todos.
E, não pode ser esquecido, a forma como muitos daqueles indivíduos, os que fizeram e os que conviveram alegremente com as mais refinadas vigarices, foram utilizando dinheiro alheio - através do banco - enquanto juravam que tínhamos de ser mais austeros, de fazer sacrifícios, de pagar os nossos imaginários anteriores desmandos.
Existiram demasiados cúmplices, sabemos que a esmagadora maioria deles, inevitavelmente, passará incólume por esta terrível tempestade. Francamente, é o que menos me incomoda. O que mais me perturba é perceber que há tanta gente, que nos habituamos a ver como respeitável, para quem a palavra comunidade nada representa. Homens e mulheres que põem em causa os alicerces de confiança, de igualdade perante a lei, de justiça, fundamentais para a nossa vida em comum, por um prato de lentilhas.
O Grupo Espírito Santo pereceu, e nós estamos muito doentes.
Não somos nós que estamos doentes, são eles que são doentes, nós fomos adormecidos, eles não dormem (em serviço)…
Mas há tribunais, que até lhes darão tempo de antena para alimentar o seu narcisismo e perdoar-lhes todas as piratarias…
Imagem 1 e 2

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