1. Em mais um notável "inconseguimento", Assunção Esteves acha que "o problema é deles". Ora a primeira coisa a dizer é que é uma pena que a senhora presidente da Assembleia da República, segunda figura do Estado português, tenha esta má relação com as palavras. Que seja tão pouco política. Que não se proteja em declarações previsíveis. Que não prepare as respostas a perguntas de agenda. No fundo, que nem sempre faça corresponder a qualidade do discurso à responsabilidade do cargo.
Neste caso, o das relações com a Associação 25 de Abril, ou do regresso dos capitães de Abril às comemorações da data histórica na Assembleia da República, a resposta já citada tem um lado que até pode ser entendido como ofensivo. Mas é sempre uma resposta que divide. Parece que de um lado ficam uns, os deputados ("nós"), e do outro, os capitães revolucionários de Abril ("eles").
Essa
divisão não é boa para a sociedade portuguesa e, sobretudo, nem sequer
corresponde ao processo em curso, aberto por vontade expressa de Assunção
Esteves.
2. Nesta altura convém lembrar factos que parecem esquecidos. Primeiro: os chamados "capitães de Abril", hoje homens com outros postos militares, não costumavam falar nas cerimónias na Assembleia da República. Durante alguns anos um seu destacado elemento, Marques Júnior, falou em ocasiões semelhantes, é verdade, mas fê-lo já como deputado, escolhido pelo seu grupo parlamentar, o do PS.
Segundo: foram os capitães, unidos na Associação 25 de Abril que agora fala por todos, quem entendeu deixar de comparecer nas cerimónias comemorativas da data. E fizeram-no, convém recordar, desde há 2 anos, como um ato de discordância política em relação ao governo de Pedro Passos Coelho que, como todos os outros desde aquele dia fantástico, também foi eleito pelos portugueses.
Terceiro: foi uma iniciativa de Assunção Esteves, tendo em conta a data redonda dos 40 anos, que abriu o tema do regresso dos capitães de Abril ao Parlamento endereçando um convite concreto para um lugar que ficou sempre em aberto.
Tudo isto são factos, não são opiniões: foram os capitães que abandonaram as cerimónias; e foi a Assembleia da República, através da sua presidente, que tornou bem claro que gostaria de os ter de volta.
3. A Associação 25 de Abril representa um conjunto de pessoas a quem todos nós, portugueses, devemos muito - mesmo aqueles que, por idade ou ignorância da história do seu País, entendem que não devem nada.
Estes homens, que hoje parecem falar vindos de um passado longínquo, prestaram grandes serviços a Portugal - e não foi só naquele dia. Fizeram-no quando deixaram livremente o poder, extinguindo por vontade própria o então chamado Conselho da Revolução. Ou, também, quando se tornaram imunes ao desvario criminoso em que caiu um dos seus: Otelo Saraiva de Carvalho.
Foram várias as ocasiões em que os capitães de Abril se mostraram dignos da sua responsabilidade e do seu único objetivo: devolver a liberdade aos portugueses. Homens bem preparados como Melo Antunes, corajosos com Salgueiro Maia, íntegros como Ramalho Eanes ou voluntariosos e patriotas como Vasco Lourenço cumpriram com nota 20 a sua missão histórica.
E é, por tudo isso, que esta polémica não faz sentido, e incomoda todos aqueles que, como eu, não esquecem a dívida de gratidão por aqueles homens humildes, heróis de verdade, na altura também cansados de lutar numa guerra injusta e que sabiam ser impossível de ganhar.
4. A Associação 25 de Abril deveria entender, 40 anos depois, que a democracia faz o seu próprio caminho. Que nunca tem donos. Que os governos podem, e devem, ser alvo de críticas, mas que apenas reportam ao voto. E que às vezes, talvez injustamente mas tem parecido, os antigos capitães de Abril parecem posicionar-se como donos exclusivos da verdade em relação ao momento de crise do qual o País procura sair.
Parece difícil, quase impossível, resolver em tempo útil este contencioso entre uma direita que guarda ciosamente o seu espaço e uma esquerda que estimula o descontentamento. O ultimato dos capitães ajudou a essa crispação.
Mais uma vez, vamos todos perder com isso.
Sim, excecionalmente, gostaria de ouvir os capitães de Abril falar nos 40 anos da Revolução dos Cravos. Não porque fossem dizer qualquer coisa de novo. Eles estão por aí, na liberdade pela qual lutaram, há muito tempo a dizerem o que pensam. Tenho, aliás, o pressentimento de que discordaria de muito do que diriam. Mas a democracia ficaria mais forte e o País mais distendido. O ganho seria esse. E seria significativo.
João Marcelino
A presidente da Assembleia da República disse que se os militares da Associação 25 de Abril não forem ao Parlamento nas comemorações do aniversário dessa data "o problema é deles".
Nicolau Santos
A dra. Assunção Esteves está equivocada. O problema não é "deles". O problema é da senhora presidente da Assembleia da República que não quer ser incomodada com um discurso que extravase o que é normal entre os parlamentares da maioria e da oposição.
O problema é da senhora presidente da Assembleia da República, que não tem um pingo de bom senso - porque, se tivesse, lembrar-se-ia que só se senta na cadeira onde se senta porque os militares que ela não quer ouvir abriram caminho para que tal fosse possível.
O problema é da senhora presidente da Assembleia da República porque, se tivesse um pingo de bom senso, lembrar-se-ia que este ano se comemora uma data redonda, 40 anos, sobre o 25 de Abril de 1974, pelo que seria totalmente admissível que abrisse uma excepção e que, para além dos parlamentares, fosse dada voz aos militares que abriram caminho para que esta Assembleia da República existisse.
O problema é da senhora presidente da Assembleia da República porque, se fosse minimamente agradecida, lembrar-se que a reforma que aufere por ter sido juíz do Tribunal Constitucional só é possível porque os militares que não quer ouvir abriram caminho para que tal fosse possível.
Pensando melhor, contudo, talvez o problema não seja da senhora presidente da Assembleia da República. Talvez o problema seja do país que tem como segunda figura do Estado a Dra. Assunção Esteves, que já demonstrou por várias vezes não ter um pingo de bom senso. E seguramente que essa tem de ser uma das qualidades exigidas para se ser a segunda figura do Estado português.
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