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terça-feira, 15 de abril de 2014

Iremos ter os sociólogos a intervir (mais) civicamente?

Na altura em que se reúne em Évora o VIII Congresso da Sociologia Portuguesa, pode justificar-se um breve balanço em torno da disciplina, das suas promessas e dilemas.
Elísio Estanque
Max Weber, Karl Marx e Émile Durkheim 
A sociologia nasceu no século XIX quando a “questão social” e a miséria da classe operária ameaçavam o capitalismo emergente no mundo ocidental: com Marx, ela quis ser uma ferramenta para “mudar” a sociedade; com Durkheim, um instrumento “terapêutico” para a curar da “anomia” social; e com Weber um meio de compreender a racionalidade das instituições, da economia e dos indivíduos.
A explicação do social através do social é a vocação principal da sociologia, mas como o social tende a insinuar-se nas zonas mais recônditas da estrutura da sociedade, a tarefa de lhe dar visibilidade obriga a romper com as aparências, ou seja, com as ideologias “oficiais” e os estereótipos do senso comum. Mais do que a rutura bachelardiana ou a descoberta da “verdade”, a sua missão é a de fazer com que certos fenómenos da vida social tidos como “naturais” sejam vistos como fruto da própria sociedade e, desse modo, passem a ser questionáveis. A sociedade está em nós e ao mesmo tempo constrói-se e reproduz-se a partir da dinâmica intersubjetiva, o que dá razão a Marcel Proust quando afirmou que “o social é a criação do pensamento dos outros”. Porém, mais do que a simples interação, importa olhar as estruturas. É fundamental entendê-las não enquanto forças deterministas mas enquanto processos com poder de resiliência cuja inércia tende a impor-se aos indivíduos, condicionando a sua consciência e muitas vezes anulando a sua capacidade de ação. É por isso que, olhando as atuais sociedades, cujas relações sociais são estruturadas sob assimetrias de poder e desigualdades tão flagrantes, a objetividade e o rigor teórico e metodológico da sociologia não podem confundir-se com “neutralidade”.
Em Portugal, foi o professor Adérito Sedas Nunes que fundou a sociologia portuguesa, a partir do ex-GIS/Gabinete de Investigações Sociais (fundado em 1962) e, logo depois, a revista Análise Social (1963), a primeira publicação periódica da nossa sociologia, seguindo-se-lhe, já em 1978, a Revista Crítica de Ciências Sociais, em Coimbra e mais tarde a Sociologia – Problemas e Práticas (1986 – ligada ao ISCTE), ainda hoje consideradas as mais importantes revistas desta área.  Só após o período agitado da Revolução dos Cravos é que este campo académico se consolidou e desenvolveu. Depois de ter sido uma ciência “maldita”, tornou-se para alguns, sinónimo de “socialismo”. Curiosamente, a primeira geração de sociólogos portugueses não foi licenciada em sociologia. Em muitos casos, a sua formação foi obtida em áreas afins nas universidades europeias na década de 1960, quando Portugal estava ainda mergulhado no obscurantismo e a Europa despertava para as primeiras rebeliões da juventude. Entre as convulsões sociais e a sociologia como ciência sempre existiu uma relação ambivalente: no maio de 68 em Paris a sociologia foi acusada de ter “uma prática racionalista ao serviço de fins burgueses” (Daniel Cohn-Bendit e outros, «Pourquoi des sociologues?»), mas muitos dos que viriam a engrossar a geração seguinte da sociologia também passaram pelos campi de Nanterre e da Sorbonne.
Estima-se que existam, hoje em dia, cerca de 30.000 sociólogos em Portugal, saídos dos cursos que entretanto floresceram no país (Lisboa, Porto, Coimbra, Évora, Braga, Covilhã, Faro), a maioria deles licenciados na última década. Segundo um inquérito recente realizado pela APS – Associação Portuguesa de Sociologia, 86,6% dos licenciados estão empregados e 63,8% deles consideram que a sua formação é adequada às tarefas que desempenham. No entanto, os setores que mais absorvem sociólogos inserem-se na área das políticas públicas (educação, investigação, administração pública e Segurança Social), enquanto a componente de mercado é ainda praticamente residual, o que é bem revelador da fraca sensibilidade do tecido empresarial para contratar sociólogos. Os municípios, o ensino e formação, e o campo associativo e do desenvolvimento local absorvem o que resta da atividade da sociologia portuguesa, na vertente “técnica” ou profissional.
Vamos lá ver o que dizem os nossos sociólogos, depois de ouvirem os arautos estrangeiros, para vermos se seguem o desafio de Pierre Bourdieu, que apelava aos intelectuais a comprometerem-se nesta luta, ao mesmo tempo que antevia tudo que se está a passar, quer a nível global, quer a nível europeu e mais restritamente em França.
Quem quiser ficar por dentro do “processo em curso”, política e socialmente falando, aconselho 2 livrinhos, que apesar de pequenos, condensam a narrativa da realidade presente e do próximo futuro. Cuidado, que assusta!
Nota – Pierre Bourdieu é mais conhecido na área da Educação, mas na parte final da sua vida engajou-se politicamente, denunciando a trama que nos trama…
Contrafogos: Táticas para enfrentar a invasão neoliberal
O sociólogo Pierre Bourdieu reuniu neste livro artigos, discursos e entrevistas que retratam as suas ideias e propostas. O autor investe aqui contra o mercado livre, a ditadura dos media, o FMI, além de responder a críticos e a desafetos. Seja discursando a favor de grevistas ou esclarecendo a sua postura diante da dominação dos meios de comunicação, Bourdieu mostra aqui a indignação de seu pensamento.
Contrafogos 2: por um movimento social europeu
Com a veemência característica, Pierre Bourdieu continua investindo contra os efeitos perversos da globalização. Neste segundo volume de 'Contrafogos', além de conclamar os intelectuais a engajarem-se nesta luta, reivindica um movimento social europeu unificado - sindicatos, media, académicos -, capaz de se opor às forças económicas atualmente dominantes.

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