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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

“O poder da palavra pode vencer a palavra do poder” - Adriano Moreira

Falamos de encontro entre escritores e leitores e esquecemo-nos, muitas vezes, de que os papeis não estão tão definidos assim. O escritor é leitor. Não é raro ver autores pedirem a outros autores para assinar livros. Percebe-se a ansiedade dos leitores em mostrar que são escritores quando falam com os já aceites pelo mercado e pelos seus pares. O escritor é um leitor. O leitor pode não ser um escritor. Ambos são recriadores.
Mário Rufino
No acto de leitura, o leitor aproxima-se do escritor através do livro. Na Póvoa, uma vez por ano, o livro não é a única forma de aproximação, mas continua a ser a mais radical. O livro é um meio de transporte para a alma de um homem e para a essência de uma época.
Estou a ser cobarde. Estou a fugir do que me preocupa.
Ontem, vi Eduardo Lourenço fragilizado. Almeida Faria passou por mim, mesmo agora. Não vejo Rentes de Carvalho. Normalmente, eu e Rentes de Carvalho chegamos quase ao mesmo tempo à sala para tomar o pequeno-almoço. Somos os primeiros. Não o vejo. Terá ido embora, certamente. 
Por mais vezes que repita a verdade última custa-me aceitá-la. O abismo de Eduardo Lourenço é o abismo de todos nós, mas individual por impossibilidade de partilha.
Quando estou nas Correntes, sou guiado pelos horários das mesas e das entrevistas. Esqueço-me dos dias da semana. Apesar de continuar amarrado às horas, suspendo a decadência do tempo. Os livros, elementos divinatórios e potencialmente eternos, enganam-me. Eles continuarão cá, numa ironia sempiterna perante a caducidade do corpo. Nós não.
O leitor terá noção da máquina do tempo que tem nas mãos? 
No interior da maior revolução tecnológica da História da Humanidade, a palavra escrita - forma imperfeita parida pela materna sonoridade - continua a ser a mais radical, poderosa e temível criação humana.
Repito mil vezes a verdade de todos nós, desejando a morte dessa verdade, a vida de uma mentira, a aniquilação da efemeridade do corpo.
É dia de festa, mas acordei cobarde, medroso, revoltado e ansioso. Gostava que o tempo fosse suspenso para algumas pessoas. Precisamos de Bergoglio, Steiner, Lourenço nas nossas vidas.
Teremos, enquanto quisermos, esse mecanismo complexo que nos permite desrespeitar o tempo: O livro.
No Correntes d'Escritas, na Póvoa de Varzim, sob o título "Pensamentos não são correntes de ninguém", Eduardo Lourenço disse: "Dá a impressão de que, de repente, fomos invadidos, não por uns castelhanos arcaicos nossos vizinhos e que são nossos irmãos e primos, mas por uma espécie de vampiros como aqueles que o cinema de Hollywood ilustra. Não é por acaso que o tema dos vampiros se tornou um tema da moda, os vampiros são emissários da morte, é como se estivéssemos a viver uma espécie de apocalipse indireto". Disse não acreditar que o tempo desta "espécie de submissão mansa" vá perdurar, ressalvou não querer contribuir para algo como uma "depressão de segundo grau, por conta dos outros".
"Não sei se é um comportamento muito português dormir em cima daquilo que nos ameaça profundamente e nos põe problemas que não podemos resolver esperando que, com o tempo, com um pouco de sorte, acabemos por sair desta espécie de atoleiro em que estamos mergulhados", acrescentou.
"Os vampiros não são tão vampiros como isso, são pessoas reais. São as pessoas que controlam o sistema que a modernidade foi inventando pouco a pouco, com os seus novos meios de produção, que aumentaram efetivamente de maneira fantástica a possibilidade que os homens têm de aceder a um certo número de coisas que são importantes", disse Eduardo Lourenço, já em resposta a questões do público.
O autor declarou que a televisão é hoje "o objeto mais importante", tendo o "espaço público desaparecido", o que deu origem a um momento em que "tudo se passa na televisão, as intervenções dos comentadores na televisão são mais importantes do que a realidade".
Eduardo Lourenço lamentou que a política já não seja uma "política real". "Passámos [...] para um tempo em que aparentemente as guerras já não têm lugar ou são guerras de uma outra espécie, são quase guerras virtuais como se fossem cinema puro, embora os mortos não sejam cinema nenhum. Passámos para um tempo em que estamos - não parece à primeira vista - num mundo em estado de guerra permanente no interior do sistema, não há nenhuma grande produção que não esteja em guerra com uma outra ao lado", afirmou o vencedor do prémio Camões de 1996.
Eduardo Lourenço disse ainda não pensar nada sobre o futuro, uma vez que "se pensasse no futuro era o dono do futuro".
Assim, o ensaísta, que constatou saber o que é estar "à beira do abismo" por estar próximo do seu próprio, apelou a que se tenha paciência, antes de entrar "enfim na terra da promissão".
Imagem 1 e 2

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