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segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Do divino para a razão e agora para a espiritualidade?

É muito sugestivo iniciar esta discussão com a tão ouvida música de Chico Buarque:
“Todo dia ela faz tudo sempre igual,/me sacode às seis horas da manhã./Me sorri um sorriso pontual/e me beija com a boca de hortelã.” (Chico Buarque, quotidiano, 1971).
É preciso fazer as coisas como se as tivéssemos fazendo pela primeira vez. Não é necessário fazê-las da mesma forma ou da mesma maneira, mas fazê-las a seu modo. Aí lembro-me de Heidegger quando afirmou em “Ser e Tempo” o não dizer o mesmo sobre a mesma coisa não implica trair o ser, mas assumir o mesmo ser numa outra perspetiva.
Jackislandy Meira de M. Silva
Ao ler “Um pequeno manual de Filosofia para sobreviver a um papo cabeça” de Sven Ortoli e Michel Eltchaninoff, deparei-me com problemas e conceitos de Filosofia que fluíam naturalmente numa conversa informal de ambiente de jantar. O comensal estava repleto de ironias; verdades e inverdades iam e vinham em volta da mesa cujo desfecho era sempre inusitado com gargalhadas e alguns goles de vinho no meio de garfadas e mais garfadas de comidas.
Logo na primeira garfada, alguém toma a palavra: “o mundo foi encantado. As primeiras civilizações acreditavam na magia. Recorriam às potestades irracionais. O mundo era regido por forças atuantes, deuses, relâmpagos misteriosos e trevas. Os sacerdotes, feiticeiros, xamãs e outros videntes faziam o papel de telégrafos entre deuses e humanos. Mundo mágico, poético, mitológico, e super-romântico!” (ORTOLI, Sven. ELTCHANINOFF, Michel. Um Pequeno Manual de Filosofia para Sobreviver a um Papo Cabeça. Rio de Janeiro: Agir, 2008. pp. 112-113). A conversa realmente vai ficando apimentado pela magia, até que...
Vem a segunda garfada... “O mundo foi desencantado. Esse processo, denominado Entzauberung pelo sociólogo Max Weber, e revisitado pelo filósofo francês Marcel Gauchet, começou há muito tempo. Assim que os fiéis rechaçaram a magia, qualificada de superstição, o desencantamento adveio. No início, os profetas judeus abalaram o poder dos sacerdotes ao estabelecer uma relação pessoal com o Todo-Poderoso. A magia não era mais uma técnica de salvação. Em seguida, o movimento ganhou impulso inexorável com o protestantismo, no século XVI, que pôs por terra todos os sacramentos tradicionais, manifestações sacralizadas do divino. Assim, passou a prevalecer, sobretudo no calvinismo, a relação individual e solitária com Deus. Ninguém precisava mais de padre para absolver, para promover a redenção e a esperança de misericórdia. Essa atitude espiritual estendeu-se a todo o universo humano. Max Weber mostrou que ela alimentou o espírito do capitalismo e fez progredir o racionalismo no mundo moderno... A partir do século XVIII, o cristianismo serviu apenas como peneira. Religião menos sagrada, mais doce e mais humana, teria desembocado numa moral sem Deus, nova religião dos direitos humanos, identificada com a construção do ideal democrático. Tudo está ligado: secularização e espírito democrático, economia capitalista e racionalização do real. O homem, a sós consigo mesmo, precisava apenas desenrascar-se virar, construir, sem padres, príncipes ou magos, o seu próprio futuro. Tarefa pesada” (Ibidem).
Quando tudo parecia complicado demais, e o homem envergando-se cada vez mais sobre si mesmo ao ponto de nos indicar um desprendimento de Deus para um apego a si...
Tome uma terceira garfada, desta vez de torta de creme: Precisamos reencantar o mundo!
“Polvilhar nele um pouco de magia. O indivíduo contemporâneo chegou ao fim da sua autonomia. Por acreditar apenas nas suas próprias forças, destruiu o seu planeta e não suporta mais os seus semelhantes. Sente saudade das religiões, que o ajudam a pensar e a viver. Quer se volte para o budismo, a jardinagem, a leitura de Paulo Coelho ou o Código Da Vinci, exprime uma necessidade de reencantamento. Trata-se de reencantar o mundo sem voltar à superstição ou ao mero fanatismo” (Ibidem).

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