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sábado, 7 de dezembro de 2013

Um retrato simples de um simples homem…

Os media tratam Mandela como um semideus, o que ele obviamente não foi. Mas os elogios são merecidos diante das conquistas alcançadas pelo líder sul-africano.
Claus Stäcker
Nelson Mandela certamente não foi um santo, embora este seja o tom dos media: cada manchete torna-o um pouco mais sobre-humano, a admiração assume traços de idolatria. E algumas testemunhas juram que, na presença dele, eram invadidas pelo especial carma de Mandela. Sempre que a África do Sul precisava de um milagre, falava-se em "Madiba Magic".
Para ele, o culto à personalidade era antes algo embaraçoso. Só com relutância aceitava emprestar o seu nome a ruas, escolas e institutos ou ver a construção de estátuas de bronze e museus Mandela uma tendência que agora só tende a aumentar.
Em várias ocasiões, Mandela referiu-se à resistência como um poder coletivo, a pioneiros históricos e companheiros de luta como Mahatma Ghandi, Albert Luthuli ou o seu amigo e companheiro Oliver Tambo, cujo nome se encontra injustamente à sombra de Mandela.
Foi Tambo o primeiro a trabalhar para que a luta de resistência do Congresso Nacional Africano (CNA) fosse aceite mundialmente. E foi Tambo o primeiro a encenar o conto de fadas mundial de Mandela, no qual toda a pessoa justa poderia reconhecer-se em Spitzbergen ou na antiga Berlim Oriental, em São Francisco ou em Pequim.
Quando o prisioneiro número 46664 foi libertado, depois de 27 anos no cárcere, era uma marca, um ídolo mundial, um mito associado a projeções, desejos; abarrotado de expectativas, que uma pessoa só não poderia cumprir.
Mas quem iria arranhar a sua imagem? Enumerar os seus pecados juvenis, os seus filhos bastardos? A sua fraqueza pelas mulheres, sobretudo por mulheres bonitas: modelos, estrelinhas pop e jornalistas, com quem flirtava da forma mais politicamente incorreta até como antigo estadista? Quem iria atrever-se a condenar os seus planos de ataque quando era líder da tropa de combate do CNA Umkhonto we Sizwe (lança da nação)? E a criticar o seu jeito exaltado e arrogante, do qual os companheiros de cela e ex-funcionários hoje sorriem?
Mesmo o seu balanço como chefe de governo, entre 1994 e 1999, não é de forma alguma celestial. O seu mandato foi marcado pelo pragmatismo e pela indulgência política. As decisões necessárias eram procrastinadas, as tarefas do dia-a-dia eram deixadas nas mãos de outras pessoas. Ele também tomou decisões erradas quanto à escolha de algumas amizades políticas, o comandante líbio Muammar Khadafi, por exemplo, que até deu o nome a um neto de Mandela. Em retrospetiva, nem tudo se encaixa na imagem de visionário e génio.
Tudo isso é perdoado, porque, apesar de tudo, Mandela realizou algo praticamente inumano. Nesse contexto, o longo cativeiro desempenha um papel importante. A prisão não o dobrou, marcou-o. Mandela disse uma vez que, para ele, a prisão na ilha de Robben foi uma "universidade da vida". Lá, aprendeu a ter disciplina, e no diálogo com os guardas, aprendeu humildade, paciência e tolerância.
A sua ira juvenil desapareceu, dando lugar à suavidade e à sabedoria da idade. Finalmente livre, Mandela não era mais um cidadão irado, nem mesmo um revolucionário. Essa é a crítica, mesmo que velada, de alguns dos seus companheiros. Eles queriam um golpe de Estado, uma revolução nacional. Ele desejava a reconciliação, a quase qualquer preço.
E a sua própria metamorfose mostrou ser o seu ponto mais forte: saber libertar-se de padrões de pensamento ideológicos, reconhecer o todo a partir do próprio movimento. Não encarar quem pensa diferente como um inimigo. Ser capaz de ouvir. Espalhar mensagens de reconciliação até quase ao limite da abnegação. Só assim ele pôde servir como exemplo a negros e brancos, a comunistas e empresários, a calvinistas e muçulmanos.
Ele foi um missionário, um pregador do amor ao próximo. "Perto dele todos eram iguais", exaltou o músico sul-africano Sipho Hotstix Mabuse após uma receção a Mandela em Londres. Mandela deu-lhe a sensação de não ser menos importante que Bono, o príncipe Charles e Bill Clinton na mesa ao lado. Ele respeitava músicos e presidentes, rainhas e faxineiras. Ele memorizava nomes e perguntava pelos familiares. Indagava educadamente, levava todas as questões a sério. Com um sorriso, uma brincadeira, algumas saudações direcionadas, ele ganhava qualquer público. A sua aura conquistava todos, mesmo inimigos políticos.
Certamente isso não o qualifica como semideus, mas é endeusado com razão. Ele tem de ser mencionado no mesmo patamar que Mahatma Gandhi, Dalai Lama ou Martin Luther King. Mandela fez história no melhor sentido da palavra e nem mesmo Barack Obama seria presidente dos EUA, segundo as suas próprias palavras, sem tê-lo tido como exemplo.
Por tudo isto é secundário que Mandela seja agora tratado como um deus. Que ele não tenha podido realizar tudo na política equivale apenas a uma nota de rodapé na sua biografia. O seu mérito está em ter apresentado um exemplo credível de humanismo, tolerância e não-violência.
Mandela não foi nenhum santo, mas um ser humano com pontos fortes e fracos, marcado pela sua época e lugar. Ainda assim será difícil encontrar alguém maior. E um pouco mais de Mandela todos os dias movimentaria muita coisa. Na África, mas também em Berlim, Jerusalém ou Moscovo.

2 comentários:

  1. è hora de endeuzar mas espero que quem gosta das varias verdades que qualquer assunto tem olhe para o estado economico, desigualdade social,habitação e degradação das infraestrurturas e segurança das pessoas na Africa do Sul que o heroi Mandela deixa para não ver apenas com um dos olhos e ter um choque quando se abrir o outro. Alias o velho com calo como o macaco chamou a atenção que tanta gloria pelos media engajados trazia "interesse" de quem tem dinheiro suficiente para ter interesses; e lembrava que nem no apartheid se disparava sobre os trabalhadores com a "facilidade" e impunidade que os democratas fizeram agora.Ver com os dois olhos e ouvir com os dois ouvidos melhora muito a percepção

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    1. Este artigo escrito por um correspondente na África do Sul pretende desendeusar o homem apontar os defeitos e erros de qualquer humano. E sendo verdade que se cometeram recentemente crimes de rajada, também foram denunciados e rejeitados... O crimes não tem cor nem ideologia...

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