Tem uma coisa que me está a deixar inquieto nessa, digamos, onda de cidadania que toma conta do país: o motivo de tudo isso.
A ferramenta é relativamente visível: o sistema mediático, ou seja, esse emaranhado de cabos, fios e sinais que ligam sites, blogs, redes sociais, televisões, rádios, jornais etc.; uma estrutura de dimensões planetárias, que invade as nossas casas e que é capaz de ligar todos os pontos do país num átimo de segundo, e permitir, dessa forma, um fluxo contínuo de informações, com tudo o que isso possa significar.
Mas fica faltando o because da coisa.
Ou seja, o motivo por meio do qual as pessoas estão tão indignadas.
Sinceramente, não creio que tenha a ver com passagens, salário baixo, custo de vida, falta de investimentos públicos, conjunção política ou algo dessa natureza, ainda que esse mote apareça aqui e ali com alguma frequência.
Assim como não consigo assimilar a ideia de um pensamento coletivo, uma indignação sufocada, um grito de liberdade trancado na garganta dessa moçada de roupas e gestos bonitos que está aí, protestando, mas também a quebrar as coisas, queimando.
O que me assusta é a falta de um nome próprio para tudo isto; de um porquê; uma manchete a dizer que o protesto foi contra um sacana que se elegeu presidente e meteu a mão no bolso de toda gente sem pedir licença; contra o “mensalão”; pela preservação da floresta; contra a homofobia, enfim...
O facto é que este silêncio ruidoso me incomoda.
Talvez eu esteja em descompasso com esse tempo de mundo em que vivo, que eu tenha perdido alguma coisa, que o autocarro tenha passado pela paragem sem que eu notasse, mas também pode ser - por que não? - que estejamos diante de um algo capaz de mobilizar toda uma gente, que, claro, segue sendo gente, portanto crítica e senhora da sua vontade, mas frágil na mesma proporção frente a um poder que não conhecia até então.
Um algo tão diferente que nem nome tem.
Esta inquietação de Demétrio Soster é a mesma que nós sentimos, mas por razões inversas, no que ao nosso país diz respeito.
Enquanto no Brasil há décadas que existe uma (aparente) paz social (marginais à parte) e nada nem ninguém previa que explodissem protestos, muito menos com a dimensão que se regista, sem se saber o fim nem as consequências, por cá, o sofá é o melhor amigo do português (o cão perdeu a primazia), mesmo sendo diariamente assaltados pelo governo e colonizados por uma troika, com gente com rosto. Ou seja, se motivos havia para um levantamento generalizado, sobretudo dos jovens, seria deste lado do Atlântico, com tanto mar, a nos separar, pá.
Esperemos que este movimento brasileiro seja o primeiro e o exemplo de um “Outono do Sistema”, que usa e abusa em massacrar o cidadão (refém do seu próprio voto) e que estica a corda até esta rebentar. E no caso, talvez seja o começo de se acabar com a marginalidade, se se reduzirem as desigualdades, aumentar a consciência política e a cidadania for discutida e reclamada no quotidiano.
Talvez este movimento seja meteórico, como as Primaveras Árabes (que deram resultado, porque sim…), os Occupy ou os Indignados, que se resignaram… Mas nestas coisas, o social tem razões que a própria razão desconhece, mas que os políticos não estranharão.
E aqui fica um cardápio de 20 razões, baratas (20 centavos), cujo texto se atribui a Jô Soares, mas se não for, pouca diferença faz, porque tem substrato e matéria bastante e suficiente para nos indignarmos (por maiores razões), se quisermos sair do sofá…
O ministro Gilberto Carvalho (atual ministro-chefe
da Secretaria-Geral da Presidência da República do Brasil), após reunião do
governo, deu uma entrevista a dizer que não entende as razões das manifestações
de protesto. O Jô Soares encarregou-se de explicar, centavo por centavo, as razões
do surto da Multidão.
Será que agora perceberão!
JÔ Explica...
Pra quem não entendeu ainda: os 20 centavos, 1 por 1:
00,01 - a corrupção;
00,02 - a impunidade;
00,03 - a violência urbana;
00,04 - a ameaça da volta da inflação;
00,05 - a quantidade de impostos que pagamos sem ter nada em troca;
00,06 - o baixo salário dos professores e médicos do estado;
00,07 - o alto salário dos políticos;
00,08 - a falta de uma oposição ao governo;
00,09 - a falta de vergonha na cara dos governantes;
00,10 - as nossas escolas e a falta de educação;
00,11 - os nossos hospitais e a falta de um sistema de saúde digno;
00,12 - as nossas estradas e a ineficiência dos transportes públicos;
00,13 - a prática da troca de votos por cargos públicos nos centros de poder que causa distorções;
00,14 - a troca de votos da população menos esclarecida por pequenas melhorias públicas (pagas com dinheiro público) que coloca sempre os mesmos nomes no poder;
00,15 - políticos condenados pela justiça ainda no ativo;
00,16 - os mensaleiros terem sido julgados, condenados e ainda estarem livres;
00,17 - partidos que parecem quadrilhas;
00,18 - o preço dos estádios para a copa do mundo, o superfaturamento e a má qualidade das obras públicas;
00,19 - os media tendenciosos e vendidos;
00,20 - a perceção de que não somos representados pelos nossos governantes.
00,02 - a impunidade;
00,03 - a violência urbana;
00,04 - a ameaça da volta da inflação;
00,05 - a quantidade de impostos que pagamos sem ter nada em troca;
00,06 - o baixo salário dos professores e médicos do estado;
00,07 - o alto salário dos políticos;
00,08 - a falta de uma oposição ao governo;
00,09 - a falta de vergonha na cara dos governantes;
00,10 - as nossas escolas e a falta de educação;
00,11 - os nossos hospitais e a falta de um sistema de saúde digno;
00,12 - as nossas estradas e a ineficiência dos transportes públicos;
00,13 - a prática da troca de votos por cargos públicos nos centros de poder que causa distorções;
00,14 - a troca de votos da população menos esclarecida por pequenas melhorias públicas (pagas com dinheiro público) que coloca sempre os mesmos nomes no poder;
00,15 - políticos condenados pela justiça ainda no ativo;
00,16 - os mensaleiros terem sido julgados, condenados e ainda estarem livres;
00,17 - partidos que parecem quadrilhas;
00,18 - o preço dos estádios para a copa do mundo, o superfaturamento e a má qualidade das obras públicas;
00,19 - os media tendenciosos e vendidos;
00,20 - a perceção de que não somos representados pelos nossos governantes.
Se precisarem tenho outros 20 centavos aqui, é só pedir.
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