Os bispos portugueses estão preocupados com a realidade laboral em Portugal e com a "imerecida penúria" de partes significativas da população. O tema do trabalho vai estar em cima da mesa durante o encontro da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).
"[Um ponto] que não poderíamos esquecer prende-se com a grave problemática que envolve o trabalho e a sua necessidade para o sustento e realização da humanidade de todos e de cada um", começou por dizer o presidente da CEP, D. Manuel Clemente.
"Vivemos e sofremos tempos difíceis a este respeito. Teremos até a consciência de que se trata de um autêntico desafio civilizacional, rumo àquela sociedade que urge construir, com menos ganhos e dispêndios de alguns em contraste com a imerecida penúria de muitos; com outra organização do trabalho face às profundas mudanças tecnológicas, que tantas vezes o reduzem ou dispensam; face ainda às exigências irrecusáveis de populações inteiras que, na Europa ou batendo à sua porta, pretendem basicamente trabalhar e viver, senão mesmo sobreviver", acrescentou o também Patriarca de Lisboa. "Enquanto responsáveis eclesiais que somos, cabe-nos uma palavra, mesmo que sucinta, para iluminar evangelicamente esta nova 'questão social', que tão arduamente nos desafia a todos", conclui.
A CEP considera que "são de evitar políticas de criação de emprego pelo corte dos justos direitos dos trabalhadores".
"Um dos mais graves problemas da actual crise por que passa o nosso país diz respeito ao mundo do trabalho. Trabalho que, sendo um dever, é também um direito a ser exercido em condições dignas da pessoa humana", sublinham os bispos numa mensagem sobre os "Desafios éticos do trabalho humano", aprovada na assembleia plenária.
A posição da Igreja foi divulgada um dia depois de o Fundo Monetário Internacional (FMI) ter defendido que é preciso ir mais além nos cortes salariais em Portugal, sobretudo no sector privado. Os técnicos internacionais consideram que é uma forma de potenciar a criação de emprego.
Na mensagem agora divulgada, a CEP manifesta-se muito preocupada com o desemprego, sobretudo com as pessoas que não têm acesso a qualquer subsídio. "Entre as situações mais graves estão os que, não tendo trabalho, se encontram sem acesso a qualquer forma de subsídio, correndo os riscos da luta pela subsistência", alertam os bispos portugueses, que reclamam como necessárias e urgentes políticas que favoreçam o crescimento económico e "criatividade nas soluções".
D. Manuel Clemente, defendeu que os problemas do desemprego e as ameaças ao Estado social: "Cabe ao Estado, como primeiro órgão do bem comum, uma tarefa irrecusável, nós temos nitidamente a consciência, quer em Portugal, quer nos outros países europeus, de resolver isto em termos de sociedade no seu conjunto", afirmou.
A CEP apelou à criatividade na implementação de políticas favoráveis a um modelo de crescimento económico criador de emprego, apelando à contribuição de todos para a resolução dos problemas do desemprego e do emprego precário "com partilha de responsabilidades entre os poderes públicos, centrais e autárquicos, as empresas, os parceiros sociais, as organizações não lucrativas, as famílias e as pessoas individualmente consideradas". "São de evitar as políticas de criação de emprego pelo corte dos justos direitos dos trabalhadores", adianta o texto.
Na conferência de imprensa após o final dos trabalhos da assembleia plenária, D. Manuel Clemente, considerou o desemprego um problema "grave e transversal e, até certo ponto, estrutural". "Depende da saúde da economia, a saúde da economia depende das possibilidades de financiamento, as possibilidades de financiamento são muito escassas, assentavam num sistema bancário internacional que, em boa parte, ou melhor, em má parte faliu", sustentou.
A crise atual é um problema que atinge a Europa e o mundo e que está ligado a um outro, na África subsariana, das pessoas que emigram à procura de melhores condições nos países europeus. "Nós não vamos poder resolver de uma maneira local ou até continental um problema que é muito transversal", avisou Manuel Clemente.
Como resolver um problema económico e financeiro, mas também laboral e de dignidade humana, questionou, frisando que as soluções, embora assentem em decisões políticas, assentam numa base económica e financeira. "Qualquer Estado como primeiro órgão do bem comum trabalha e canaliza para resolver os problemas com aquilo que tem, não com aquilo que não tem, sobretudo quando se vive de dinheiro emprestado como infelizmente é o caso", sublinhou o presidente da CEP.
Manuel Clemente deixou ainda uma mensagem ao poder político e à sociedade em geral: "Cabendo ao poder político uma responsabilidade irrecusável, hoje o problema ultrapassa-o muito nas suas capacidades de resposta". "Esse problema nenhum Estado resolverá por si", adiantou, frisando que a Europa se confronta já com mais de um século de "tentativas ideológicas de direita e de esquerda" de resolver a sociedade pelo Estado, pelo aparelho político. "Temos aí as comprovações trágicas que não mudando as pessoas, a mentalidade, as prioridades, e não mudando o sentido da vida para mim e para ou outros, também não é com qualquer espécie de arranque voluntarista, só no campo da política, que nós resolvemos o problema", afirmou.
Embora dizendo esperar que o Estado Social "se mantenha o mais possível", o presidente da CEP avisou que o Estado Social existe "porque consegue ter uma sociedade que o suporta".
Valha-nos Deus!
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