Ninguém terá dúvidas - à exceção, porventura, do primeiro-ministro - de que o Governo é incompetente e irresponsável, e que está condenado, desacreditado, ferido de legitimidade - não formal, mas democrática. Como dizia Pacheco Pereira na Quadratura do Círculo, "está morto, só falta enterrá-lo". Por mais que Passos Coelho negue, a situação política em Portugal já está apodrecida.
Nuno Saraiva
E as últimas 2 semanas deram um forte contributo para que assim seja. Primeiro a humilhação pública a que foi sujeito o Presidente da República com a notícia da demissão "irrevogável" de Paulo Portas, uma hora antes da insólita tomada de posse de Maria Luís Albuquerque como ministra das Finanças. Depois a pressão inaceitável sobre Cavaco Silva que significou o ato público de refundação da coligação, com o anúncio da promoção de Paulo Portas a vice-primeiro-ministro, no momento preciso em que o Presidente estava ainda em fase de avaliação e decisão. Isto para não falar das birras de uns ou das cartas públicas de outros a apoucar ex-colegas de governo, que são apenas mais um exemplo do estado de crise política em que vivemos, desde setembro do ano passado, e do irregular funcionamento das instituições.
Mas o que estes dias também trouxeram ao de cima, sem prejuízo dos factos aqui descritos, foi, mais uma vez, a verdadeira natureza do político profissional Cavaco Silva: vingativo e egocêntrico.
Depois da cooperação estratégica e da magistratura ativa, estamos agora em modo de magistratura de vingança. Ou seja, ao rejeitar o acordo "sólido e abrangente" que lhe foi proposto - por mais inacreditável que assim fosse -, Cavaco Silva vislumbrou a oportunidade, não só de reagir às últimas afrontas mas, sobretudo, de ajustar contas muito antigas com um incómodo ex-líder da JSD e com um desagradável ex-diretor de jornal que nunca se lhe vergaram nos tempos em que foi primeiro-ministro, já lá vão mais de 20 anos. Cavaco, é sabido, não esquece e não perdoa. E, mais uma vez, mostrou que pensa sempre em si próprio e no seu interesse pessoal em primeiro lugar.
Ao propor uma equação impossível que pressupõe um acordo alargado ao PS - agora? -, ao determinar que a legislatura, afinal, termina em 2014 e ao fazer regressar Paulo Portas à casa de partida, isto é, ao Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Presidente da República dá um voto público de desconfiança a quem governa, impõe uma humilhação a Passos Coelho e Paulo Portas, a quem tira definitivamente o tapete, transforma o atual Executivo em Governo de transição e lança a incerteza nos mercados. Ao contrário do que disse na sua comunicação ao País - e basta ver a subida ontem dos juros da dívida de curto prazo para o confirmar -, a única solução rápida e credível para o impasse político em que nos encontramos era a realização de eleições imediatas. Anunciá-las e proclamá-las para 2014, além de ser um ato de deslealdade institucional e de falta de coragem política, é promover a paralisação e a apatia decisória na governação. E, com esta bomba atómica ao retardador, o inevitável incumprimento do programa de ajustamento.
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