É legítimo duvidar se a União Europeia pode funcionar sem políticos como Jean-Claude Juncker. O primeiro-ministro de longa data do Luxemburgo encarna como ninguém as ideias fulcrais da unificação europeia.
A renúncia do primeiro-ministro luxemburguês, Jean-Claude Juncker é essencialmente um assunto interno do Grão-Ducado. Os serviços secretos do Luxemburgo, um organismo que se diz ter 5 dezenas de funcionários, é acusado de ter vivido uma “vida independente”, ou pelo menos o primeiro-ministro não conseguiu exercer controlo suficiente sobre eles.
No cerne da questão está um caso que remonta à década de 1980, mas não está claro se a demissão de Juncker significa que vá desaparecer da cena política do Luxemburgo. Quer conduzir o seu Partido Popular Social Cristão durante a campanha eleitoral, e é bem possível que o ainda popular político, que é primeiro-ministro desde 1995, venha a assumir a liderança até ao próximo governo.
Os abalos no Luxemburgo não vão sacudir a Europa, embora Juncker tenha desempenhado um papel de destaque na política europeia nas últimas décadas. Já em 1991, presidiu ao Conselho de Assuntos Económicos e Financeiros Europeus (ECOFIN) e envolveu-se significativamente na elaboração da União Económica e Monetária Europeia. A partir de 2005 e até ao início de 2013, presidiu ao Eurogrupo. No entanto, a sua renúncia não é apenas sintomática, mas também altamente simbólica.
Em pé de igualdade na mesa das negociações
Juncker é a prova viva dos novos papéis que os pequenos Estados puderam desempenhar na política europeia do pós-guerra – na senda da Comunidade Económica Europeia e até à Comissão e União Europeia de hoje. Os pequenos Estados não são já províncias do imperialismo europeu e sentam-se à mesa das negociações em pé de igualdade com o Presidente francês, a Chanceler alemã e o Primeiro-ministro britânico; e falam com peso europeu com o Presidente russo, Vladimir Putin, e o seu homólogo norte-americano, Barack Obama.
Nessa mesa, os Estados-membros mais pequenos nunca questionaram o papel de liderança dos Estados maiores, que deriva do seu maior peso económico e poder político. Mas querem expressar-se e ter uma palavra a dizer nas decisões. E Juncker é a prova de que podem ter inteligência e capacidade para também assumirem protagonismo.
O primeiro-ministro do Luxemburgo incorpora ainda outro elemento essencial do projeto europeu: o consenso básico Democrata Cristão Europeu que tem moldado a unificação, através de pais fundadores como Schuman, De Gasperi e Adenauer. Baseia-se num equilíbrio entre o capital e o trabalho, num consenso social (e sociopolítico) que um social-democrata, o ex-chanceler alemão Gerard Schröder, captou numa frase concisa: “Se as coisas vão bem para a indústria alemã, também vão bem para os trabalhadores alemães”.
Juncker não é um utopista
Esta base foi abalada e desgastada pelos ventos da globalização, mas Juncker acredita firmemente nela, não apenas como um objetivo de política nacional mas como uma condição para a unificação europeia. Isso faz com que algumas pessoas o considerem antiquado.
Há também quem considere o seu compromisso com uma visão federal da Europa ultrapassado. No final da sua carreira política, o ex-chanceler alemão Helmut Kohl, que respeitosamente chamava “Júnior” a Juncker, renunciou ao sonho dos “Estados Unidos da Europa”. Mas Juncker não é um utopista, apesar de provavelmente concordar com a piada do escritor suíço Max Frisch de que “não se é realista apenas por não se ter ideias”.
Juncker sabe que uma UE com 28 membros já não se encaixa no molde da que foi formada por 6 Estados europeus, no período imediatamente após a II Guerra Mundial. Para ele, o federalismo tem sido uma espécie de ideia reguladora, no sentido kantiano: qualquer decisão a nível europeu deve ser julgada sobre se é, a longo prazo, compatível com o objetivo da supranacionalidade ou um obstáculo para ele.
Cético e desconfiado, Juncker tem-se questionado sobre se os egoísmos e interesses nacionais não estão a tornar-se mais fortes, na esteira da crise do euro, com os acordos a serem martelados entre os líderes dos grandes Estados, em detrimento das instituições europeias. Além disso, considera esses acordos sobejamente incompetentes e politicamente errados. Foi por isso que encetou uma discussão com a chanceler alemã Angela Merkel e se desentendeu com o ex-Presidente francês, Nicolas Sarkozy.
Donald Rumsfeld, ex-secretário da Defesa dos Estados Unidos, viu provavelmente Juncker como o protótipo da “velha Europa”. Na verdade, é provável que o seja. Mas podemos duvidar que uma União Europeia em processo de renovação aguente a corrida sem o empenho de políticos como ele.
Jean-Claude Juncker é uma das figuras que mais se tem destacado no panorama da construção europeia, em particular com o contributo do seu trabalho na liderança do Eurogrupo em prol de uma verdadeira coesão económica e social da Europa, e foi distinguido a 3 de maio, com a atribuição do título de Doutor Honoris Causa pela Universidade do Porto.
A sua “constante preocupação por uma Europa mais social” e o seu papel como “um dos principais obreiros do “Luxembourg Process” destinado a promover o emprego” são algumas das razões citadas no despacho de concessão do título a Jean-Claude Juncker. A U.Porto destaca ainda o seu empenho no estreitar de ligações entre Portugal e o Luxemburgo nomeadamente no que toca aos portugueses residentes neste país (16% da população), ao longo dos últimos 18 anos como Primeiro-Ministro do Grão-Ducado.
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